terça-feira, 12 de dezembro de 2023

 

SOU BANAL…




    Fugiu-me a leitura corretiva para a realidade. O meu tempo, com as personagens que criei, foi curto. Pensei sempre conseguir umas figuras que se tornassem força dentro do romance, mas… não consegui. Foram sempre parar à realidade… estranhamente.

    Das trezentas e poucas páginas de voltas com a vida das personagens, em cada cinco, estava a rever, afinal, o real. Sentado na esplanada do café, depois no seu interior fugindo à chuva e… digamos, agora no Inverno, às calamidades da invernia, as personagens passavam pela rua a todo o instante, falavam como no romance, gesticulavam como no romance, riam como no romance, passavam, a contar histórias suas, como no romance e cá dentro, ao balcão, pediam café, como no romance.

    Acho este meu romance, muito igual à realidade, a uma realidade banal. E é capaz de fazer sorrir um intelectual crítico, que ao ler a história, demonstre um carinho paternalista, cujo pensamento no momento, tenha a frase: “É tudo tão simples que nem para crónica de jornal de província serve…”

    Penso isso? Não sei se penso isso. Porque razão é que a história das pessoas simples, com rasgos de humor, rasgos de bondade, rasgos de heroicidade, rasgos de sacrifícios, de ternura, de dádiva… é banal? Porque razão o aroma de uma rosa é banal? Porque razão o aroma e o sabor de uma maçã bravo de Esmolfe, é banal? Porque razão todos os gritos de angústia são banais? Porque razão os gritos de esperança, são banais? Porque razão os afetos são banais? Porque razão a forma de fazer sexo é banal?

    Porque razão se convencionou que a retórica sustentada em demagogias é o futuro? Porque razão se convencionou que um discurso vazio de realidade, sustentado em premissas meramente académicas, é o futuro? Porque razão se convencionou que a dinâmica da ficção nunca deve ser simples, sim complexa, baseada numa ideia complexa que interrogue? Porque razão o futuro que nos querem dar, é o presente camuflado? Só que não aconteceu ainda...

    Porque razão estamos, complexamente, enganados quanto ao futuro? Porque razão é já tão banal apresentarem-nos a incompetência em forma complexa? Porque razão a dor de saber, de pagar, de continuar a sofrer, afinal lhes é tão simples, basta aumentar-lhes o salário? Porque razão é banal, neste país, ser-se simples? Porque razão a história dos simples, dos seus afetos, do seu amor, dos seus laços de ternura, da sua heroicidade, da sua capacidade de sofrimento é uma forma de pagar, repagar, voltar a pagar os erros clamorosos dos “gestores de conta do país”, isto é banal?

    O ser simples e banal é aceitar o outro tal como é. Ser simples e banal é ajudar a pagar os erros de poucos para o bem de todos. O ser simples e banal é contribuir para o bem comum. O ser simples e banal é amar, ser amado, ter capacidade de gerar futuro. O ser simples e banal é acreditar, ter esperança e lutar pelo futuro. O ser simples e banal é ser um povo.

    Ninguém, até que vindo do seio desse povo, pode retirar-lhe a honra e a sua dignidade, quando isso lhe cabe, inteiramente por justiça! Quero um governo banal e um presidente da República, banais!

… E as figuras deste novo romance agigantam-se na sua simplicidade. Irei escrever mais e mais sobre as “banalidades” deste meu povo, donde sou!




Victor Martins

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