domingo, 21 de novembro de 2021

 

A “CHITA”

- Esta história que aconteceu, como todas as que fazem parte deste livro mas, algo a torna muito diferente das outras pelo seu final… a lembrança arrepia.

- Começou assim: Combinámos ir à caça da Chita, eu, o Borges, o Franklin, o Celso e o Carvalho, o meu colega de escola. Queria ir sempre, mas definitivamente rumava a Sá da Bandeira. Celso entrava pela primeira vez no grupo, morava na Ganda, tinha uma casa de tintas e materiais de construção, era muito amigo do Borges, o dono da oficina de reparações automóvel e do Franklin. Notámos que era um “ pouco acelerado”, sempre a mandar bocas, penso que bom homem, ao seu jeito, mas algo precipitado, difícil de lhe estabelecer regras, como as que tínhamos na caça.

Dirigimo-nos para as bandas de Capira, tinham-nos dito que muitas Chitas por lá andavam. Lembrei-me do “grande lago”, aquela enorme porção de água que era “abastecida” por alguns riachos e uma forte nascente de água, a que dava origem ao rio Cubal. Seguia. Segundo se via no mapa, até à Catumbela, onde entrava no rio com o nome do local, Catumbela. Esta é a foto da sua nascente.



Ora o nosso “pacaça”, o Land Rover cor cinzenta, como quase todos os jipes da “praça”, estava todo reparadinho, lustroso e a trabalhar que era um “relógio”. Seguimos em direção ao destino. Uma hora da manhã de um sábado. Mantimentos, as duas 375, a Parker e a Winchester e a S&W, velhinha (smith & wesson) com munições 300 Magnum. Estas munições não eram do tipo perfurante, sim destinadas a impacto, rombas, mais por causa dos elefantes, pacaças, enfim. Nunca matámos nenhuma “peça com trombas” ou alguma “chifruda” a sério com mais de 100Kg que “necessitasse” da S&W. Mas era muito “digna” a presença dela no nosso grupo. Dava-nos um ar de valentes e equipadíssimos caçadores.

O ar era fresco. A cerca de 30 quilómetros avistamos uma manada de galengues. Cerca de 10. Maravilhosos ruminantes. Mas, não era isto que nos interessava, sim o felino mais rápido a “funcionar” em Angola e outras paragens, a chita. A minha velha “zeiss icon” tirou mais uns slidezitos à manada e lá continuámos para sul.

A Chita chega a atingir os 100 quilómetros por hora dizem os entendidos na matéria que já provaram isso com radares próprios. A vegetação que se via era típica da zona. Árvores de médio porte nesta área, entre os dois e os cinco metros, com muita e muita terra entre elas onde era mostrado o vermelho típico de uma terra de características “ferrosas”. Muita espinheira e alguns embondeiros, estes espalhados pelo terreno, capim baixo a bordejar a picada que se podia rotular de boa, diga-se de passagem, sem regueiras provocadas pelas chuvas que levam os veículos a trepidarem de uma forma desesperante, e aquele pozinho teimando em levantar de quando em vez à frente do “pacaça”. Estava vento. Tudo a tossir de leve e claro, a beber água. Tínhamos uma boa provisão.

Muitos e muitos quilómetros percorridos e começámos a notar que nos íamos aproximando da zona da “nascente” do rio Cubal, no grande lago, (por mim designado, entenda-se) porque a vegetação era agora mais densa e mais verde e o ar mais fresco. Enveredámos, saindo da picada principal, por uma outra bem mais complicada, em direção ao “lago”. No ar muitas aves o que nos “dizia” estarmos perto da água. O sol começava a aquecer o ambiente. Parámos então perto do rio. Cada um tratou das suas tarefas, experimentar armas, sem tiro é claro, ver os mantimentos, e esticar as pernas.

O Borges relembrou o que lhe tinha sido informado, falando para todos, e, conhecedor da área bem como o Franklin, com todos prontos, colocaram-se os dois, Borges e Franklin, as armas ao ombro, (confesso que nunca tinha visto esta forma de tratar as armas, vindo logo deles) agarradas pelo cano, e seguiram na nossa frente, rumo à “nascente” do rio. O Celso pegou rapidamente na Parker, a “derradeira” e eu, ora bem, segui de “mãos nos bolsos a assobiar uma valsa”. Este Celso é um abusador, ia pensando atrás dele. Quem lhe disse que podia levar a arma? Sentia-me completamente inútil. A arma não era a minha, essa era uma caçadeira de 77 de cano, canos paralelos, uma Liege. Claro que não servia para nada nestas circunstâncias, nem com zagalote nos cartuchos, mas enfim, ao menos se a tivesse trazido sempre me “aconchegava” o ego. A Parker seria para mim, pensava eu.

Andámos mais ou menos quatro quilómetros, o suficiente para estarmos cansados por causa da viagem e do piso, tanta pedra a ter que passar. Sentámo-nos numas lajes, pedras mais largas que não as roladas na picada, junto a umas fileiras de árvores que circundavam umas “paredes” formadas por maciços de pedra. Pareciam cortadas para fazer um muro extenso. Estas pedras eram curiosamente modeladas, pelo que dava a entender, pelos agentes atmosféricos e pela “água” que por ali já tivesse andado. Tinham essas pedras imensas cavidades tipo bolsas, denotando pressão constante de água durante milhares de anos e na parte superior eram largas, com, aí uns dois metros mas com fendas pelas vertentes, partidas, digamos, talvez por excessos de temperatura e arrefecimentos rápidos. Era uma fila contínua, com cerca de quarenta metros de comprimento por uns 3 de altura. Muitas das árvores, atrás e algumas na frente, pousavam os ramos sobre a plataforma. Um bom esconderijo para aves e animais de pequeno porte.

Levantámo-nos e, claro, predispus-me a seguir a brigada que chefiava o grupo. Ao menos podia ter trazido um bloco para ir “apontando alguma coisa”. Pensava. Bom, tinha a maquineta com um rolo, só com 6 fotos tiradas. Era de 24 slides e ainda tinha outro intacto. Para lá da metade, quase no final do “maciço” de pedras, Borges e Franklin ficam de cócoras rapidamente. Baixei-me também. O Celso ficou em pé a olhar para o local onde estavam os dois mais à frente e a tentar ver sobre o maciço, o que poderia ser. Leva a arma acima e espreita pelo óculo. Lá na frente, gestos para nos baixarmos, mais para o Celso, porque eu já estava e não tinha condições para fazer o que quer que fosse. O Celso baixa-se mas volta a levantar-se. O Borges mandava-o baixar com uns gestos que se veriam a 200 metros. Afasto-me um pouco para a direita da barreira de pedra que estava à nossa esquerda, por forma a poder vislumbrar o que se passava.

Vejo três chitas. Lindas. Uma é um filhote. Só oiço um tiro, um rosnado enorme de raiva de um dos animais. Era o macho e um restolhar sobre as pedras com os ramos a abanarem progressivamente na nossa direção. Dois tiros são ouvidos e os animais desaparecem.

Borges e Franklin tinham atirado para o topo das pedras para afastar o macho que “voava” na direção do Celso e da minha.

Foi o fim do mundo. O Borges e o Franklin desancam o Celso de tudo quanto era nome chamando-o, agora em português mais “legível”, de irresponsável que não fazia a mínima ideia do que era caçar, que podia ter posto em perigo a sua pessoa e a minha e que se não tivessem disparado para afugentar o animal tinha-se dado uma tragédia. Foi ele que atirou à revelia. Sabia as regras e não as cumpriu. Só a ganância de conseguir uma peça.

O Celso não conseguia engolir aquela “desanca”, e ia respondendo. Entretanto fomos dar uma volta pelo local e reparámos que quem tinha sido baleado pelo Celso foi a cria mas de raspão, pelo menos a julgar pelo pouco sangue que se via no chão. Continuámos a seguir o rastro e trezentos metros mais à frente, sob uma pedra, o casal com a cria deitada. Tínhamos ali o resultado da precipitação. Celso avança para ir buscar o animal. Borges e Franklin correm atrás dele, deitam-lhe a mão à casaca de caça e viram-no para eles. Borges diz-lhe com a cara quase em cima da dele e de punho pronto:

- Já fizeste uma linda merda, agora queres morrer. Ficas aqui já! Voltas para trás connosco. Entretanto Franklin com a arma pronta a disparar estava expectante. Mantinha o casal de chita sobre mira. De repente só se viam parte das orelhas do macho e parte do focinho da fêmea. A cria à vista, mas os progenitores atentos ao nosso grupo. Olhavam para nós com toda a certeza. O macho rosnou novamente de uma forma furiosa que nos fez voltar para trás a “passo de corrida”.

Já no jipe e a caminho de casa, com uma viagem inútil como base de humor, e uma tensão desconfortável, Franklin lembrou a Celso:

- Celso, sabias que não devias disparar sem que estivéssemos prontos e em situação resguardada. A chita não é nenhuma cabra de leque, não é um galengue, um gnu, é um felino perigosíssimo quando ferido. Quando isso acontece vai atacar nos próximos minutos com toda a certeza. Esconde-se e ataca sem se dar conta dele. Mataste a cria e viste que ela ia atacar se não fosse a nossa pronta atuação, atacava-te e eventualmente ao Victor. Nunca mais faças isto!

Franklin diz-lhe:

- Vais desculpar, mas mais uma destas e o teu pedido de ingressar o nosso grupo fica sem efeito! Que ganância a tua! As nossas regras não são essas!

Seguiu-se um silêncio de quilómetros. Para desanuviar o ambiente, Borges e Franklim começam a traçar novos projetos. Seria para os lados da saída do Cubal para Benguela, antes do entroncamento com a estrada que vem do sul. O soba da sanzala, tinha pedido um galengue ou cabras, para uma festa de casamento que ia acontecer daí a quinze dias. O relacionamento entre o Franklin, mais que o Borges, com os sobas da região, era excelente. Franklin, dono de uma fazenda de sisal cuidava dos seus trabalhadores como poucos. O Matos já não era tanto assim, embora nada faltasse aos trabalhadores, sabíamos isso tudo pelos próprios trabalhadores.

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- Borges, estávamos aqui a pensar em te debitar esta despesa, mas como vens aí, podes pagar diretamente ao balcão, embora estejas com cara de quem não está para aí virado.

- Pago sim senhor. Mas a minha cara tem a ver... - Sentou-se e pediu uma Cuca. Virou-se para nós e diz: Pois é, avisei ou não avisei o Celso para não tornar a fazer asneiras? - Pois foi outra vez ao local, agora com dois fulanos seus vizinhos na Ganda.

Desencostámo-nos automaticamente dos bancos. Borges continuou...

No sitio onde atirou sobre a cria, e no meio dos dois companheiros a chita, presume-se que o macho, só podia ter sido, saltou-lhe em cima, rasgou-lhe parte da cara e do ombro. O animal falhou porque, por milagre, o Celso tinha-se virado no momento para perguntar qualquer coisas aos outros. Bom, vieram a “voar” para a Ganda, o jipe gripou à entrada do hospital, seguiram para Nova Lisboa e já foi para Luanda. Tem necessidade de uma cirurgia muito complicada e disseram-me que o olho fica comprometido. Não morreu por milagre, tanto sangue perdeu.

Tinha dito àquele idiota que não podia brincar com este tipo de animal. A ver se não foi direitinho a ele?!!! Francamente, existem “gajos” que não ouvem ninguém!



Viriato Mondeguino

quinta-feira, 18 de novembro de 2021

 

O TEU CORPO… TU…


Olho-te tentando ir mais dentro de ti.

Nunca consegui ir mais longe do que desejas.

A maravilhosa seda que levemente retirei do teu corpo

não é de forma nenhuma comparável com a tua pele…

Ao olhar-te o corpo com a seda separada de ti, reparo

que a linearidade não existe… nada no teu corpo é uma linha reta…

Começo a lê-lo para lá da tua pele.

Deus meu, consentes agora e…

Não é possível!!! Não deixas mais!

Mesmo desnudando-te assim não me permites ler,

sentir o teu mundo.

Olho-te nos olhos, firme, apaixonadamente

(teus olhos são um colírio)

mas demonstras que necessito ter muita mais paciência…

Mesmo nua a meus olhos

mostras o teu véu de mistério que te envolve.

Como conseguirei ver e sentir o teu fogo interior?

Tenho fé que o verei sentindo-o

quando olhar o teu coração e então aí!...

Mas sinto que mesmo sem seda sobre a tua pele não me pertencerás…

Mesmo nua não chegarei nunca ao teu pudor…

Mas, ouve, quando te desnudo

sinto que tiro as pétalas de uma rosa,

que me aproximo da porta de todos os sentidos

caindo de joelhos frente ao altar sagrado da fonte da vida.

Mesmo aqui e assim, sinto que não me pertences.

Olho-te e vejo esse teu triunfo porque seres mulher.

Para os meus olhos és uma dádiva

mesmo que torturando-me a alma

por não conseguir penetrar no teu mistério, no teu céu.

És a melhor obra de arte jamais conseguida no universo.

És fruta, és mel, és brisa és calor, és a vida!

Em nenhuma tela um pintor poderá mostrar-te por inteiro.

Até porque nunca deixarias.

Sendo esse amargo e doce mistério,

és a minha musa inspiradora nesta vida e por ela toda.

Desejo-te eternamente, mulher!…


Viriato Mondeguino

sexta-feira, 12 de novembro de 2021

 

AQUELE SORRISO





Quando a brisa me acordou

Naquela macia areia,

Meu olhar p´ra lá voou

Pr’os olhares da feiticeira…

Eles não estavam lá!

Onde estavam afinal

Que não os via por cá,

Por cima do areal?

Mas estavam junto d’água

Que baixinho marulhava,

Tentando cobrir a mágoa

Que eu sentia… e a amava…

A água se espairecia,

Preguiçosa, bem na beira

Daquele amor que eu sentia

Pela cabrita fagueira…

A mágoa, já não a tinha?

A mágoa ria de mim,

E do amor que lhe não vinha,

Queria-me um triste fim…

Mas, e ela? Só sorria!

Ela? Torturava-me de prazer!

E eu? De amores por si morria!

Que podia eu fazer?...

Mas, só para mim ela seria!

Pensava e o queria assim,

Mas, que sorte é que eu teria?

Se de tudo ela sorria

E tudo mais ela era?

Deus meu, era amor, era ternura,

Era fogo era frescura,

Era corpo, ah, se era!

Então que mais queria eu?

Queria ser dono dela,

Queria –a de amor só meu,

Queria-a, e tudo que há nela!

E ela me dava tudo!

E ela sempre sorria.

E ela me quedou mudo,

Rasgou minha carta d’alforria…

E agora? Vou-lhe tirar razão

De me tratar mal assim!

E… no molhado areão

Onde a onda tem seu fim,

Bastou um olhar seu,

Um sorriso no seu rosto,

E tudo que sinto meu

Quebra a razão do meu gosto…

E para que a luz não a ouça

Pede-me só com o olhar

Que tudo que ferve em moça

Eu, da chama vá tirar.



  A Liberdade de um empréstimo      A liberdade é um bem inestimável no ser humano, tal como o ar que respira, a água que bebe... Nen...