domingo, 12 de dezembro de 2021

 

LADAINHA





Senhor, tende piedade de nós por acreditarmos ainda e sempre neste país.
Jesus Cristo, tende piedade de nós.
Senhor, tende piedade de nós porque somos crédulos e aceitamos tudo que nos dizem como válido e nunca fazemos o “trabalho” de casa.
Jesus Cristo, ouvi-nos,
Jesus Cristo, atendei-nos e se nos criaste à vossa semelhança, regenerai-nos.

Senhor, tende piedade de nós porque nos embebedamos de promessas políticas e sociais todos os fins de semana quando fazemos zapping.
Filho, Redentor do mundo, que sois Deus, tende piedade de nós.

Senhor, tende piedade de nós porque andamos mascarados onde não é necessário e onde o é, levantamos o cartaz a dizer Liberdade.
Jesus, pureza da luz eterna, tende piedade de nós.

Senhor, tende piedade de nós sobretudo dos que entraram agora na política e tudo sabem antes de eleições e se suicidam depois delas, abraçados a soluções de nada, sendo o tudo que lhes ficou.
Jesus, tende piedade de nós por estarmos tão perto deles.


Senhor, tende piedade da menina que tem um namorado mais velho e que sorri superiormente para as outras sem se dar conta que é um miminho numa mão sabedora com a promessa de entrar numa jota qualquer.

Jesus, tende piedade de nós.

Senhor, tende piedade de nós, mas de sobremaneira iluminai os que compram coisas online e que por isso passam a vida a devolver os produtos.
Jesus, tende piedade deles todos.

Senhor, tende piedade dos que vêm uma coisa, real, e em suas casas transformam-lhe o bife numa lata de cavala, porque o que foi visto e querido, não o é afinal.
Jesus pacientíssimo, tende piedade de nós.

Senhor, tende piedade das mulheres que se guardam para os seus amantes pois é refeita sempre a virgindade quando se encontram.
Jesus, manso e humilde de coração, tende piedade de nós.

Senhor, tende piedade de nós.

Senhor, tende piedade dos homens entardecidos, sobretudo das mulheres onde a vida lhes é uma inquietação quando envelhecem e se lamentam, onde o sexo está nelas assim como o mundo também lhes é um todo e  que a loucura está presente em todos. Tende piedade com todos porque todos a merecem e se vos sobrar piedade guardai-a para mim...


Viriato Mondeguino

segunda-feira, 6 de dezembro de 2021

 

A DANÇA DOS LUMES




A “dança dos lumes”. Deixaram-me assistir, por obra e graça não sei de quê. Não era costume deixarem que alguém assistisse a esta dança dos Ganguelas. Chama-se Cauema, ou como ainda é costume dizer popularmente, a “dança dos lumes”.

As dançarinas vêm nuas. Trazem nos tornozelos, nos pulsos, em redor do tronco e em volta da cabeça, umas armações de cordas esfiapadas, são fibras combustíveis, (pareceu-me sisal) às quais pegam fogo, para depois serem vistas a bailar na escuridão da noite. É uma glorificação ao fogo, como símbolo eterno do amor e da vida.

Ninguém se queima! Até parece mentira. As mulheres andam numa roda que marcha para a direita, num desejo de harmonia com o movimento, digamos que aparente, dos astros. É uma dança religiosa. A noite tem que estar escura e elas rodam sem parar ao som dos tambores quase até de madrugada. É fantasmagórico, mas é lindo.

Interrogava-me: “Assistir aos batuques tradicionais, enfim, mas, algumas danças deste cariz? É que não devem ser vistas por ninguém fora da comunidade. Na tribo luena, nos ganguelas, não. O batuque de acompanhamento da dança, é de cunho ritualista, estrepitoso, acompanhado de um número de tambores e dicanzas (reco-recos), ou relas, igual ao número de sanzalas presentes na festa. A música é delirante, o som é contagiante, leva-nos a mexer: A mexer por dentro e por fora, a abanarmos ao ritmo. Quase nos apetece entrar na dança. Esta é capaz de moer os tímpanos a um cristão que nada tem a ver com as culturas ocidentais, como é óbvio mas leva-nos a querer entrar “dançar” a este ritmo.

Seguiu-se uma rebita, não a urbana. A urbana é uma aculturação das danças europeias. A rebita a que assisti, a verdadeira, é ou… era outra forma de dançar. A rebita, ao que investiguei posteriormente, era mais dançada em Luanda, em Malanje, Benguela, Huambo, Huíla, ou seja, nos principais centros do litoral. Diziam as pessoas com quem fui perguntando, aos “séculos” (mais velhos) que, a rebita é uma dança recreativa, é uma dança de roda, formada por pares, homem e mulher, umas vezes apartados, por outras, dispostos intercalarmente. Nesta disposição, quando estão apartados, andam de roda e fazem marcações, cantando e batendo palmas com o acompanhamento ritmado e bem marcado do “ngoma” (Tambor). Ngoma significa em dialeto ganguela, tambor. Mas não é só do ngoma que sai o ritmo, também entram na função a “puíta” e a “dicanza”. Eu traduzo, puíta é uma “pandeireta furada no centro por onde se esfrega um pedaço de “tripa” rija e a dicanza é o nosso reco-reco. Ás vezes entram igualmente, as violas europeias.

Entretanto a rebita tem um mestre de sala que dirige a marcação. É uma espécie de contradança cerimoniosa. Quando o mestre grita: “fogopé”, os componentes da roda voltam-se uns para os outros, formam pares, enfrentam-se, homem e mulher, e executam a semba. A semba é a umbigada, feita num movimento rápido e bem vivo, acompanhado de uma volta efectuada de seguida pelo par, no local onde se encontram naquele momento. Uma dança, mas “virada ao contrário”, é a “dança dos cus”, em Nelas.

Nas rebitas “a sério”, as mulheres vão vestidas de panos vistosos e caros. É chique mudarem de panos, de dança para dança. Na cabeça usam um lenço amarrado à pombinho, ou seja, amarrado no alto pelas pontas. Se não quiserem usar lenço devem pentear-se à quimbunda, levantando bem alto a cabeleira, numa forma arredondada e fofa, puxada para cima e para a frente.

Assim é que é a rebita tradicional.


Homenagem ao meu ex-aluno, claro, no Cubal. Anastácio Fernandes.


Viriato Mondeguino

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