sábado, 29 de janeiro de 2022

 

OLÁ MÃE ANTÓNIA!...



- Como se chama a senhora?

- Ouviu a minha filha? Pode ser assim.

- Muito bem. Então mãe Antónia, diga-me quanto quer por estas uvas? Parecem estar maduras.

- São “borrado das moscas”, da minha produção. Doces, doces, doces com'ó mel!

- Pago-lhe quanto?

- Um “ero” e meio, já as vendi mais caras hoje.

- Está bem, está bem, pese dois quilitos.

A frase: “Ouviu a minha filha?” levou-me instantaneamente para o musseque São Paulo em Luanda. Passaram tantos anos sobre esse sábado, junto a uma quitandeira com a sua quinda cheia de... meio meio, anonas e quiabos.

O dia, naquelas paragens, estava quente e às dez horas da manhã já apetecia beber uma cerveja de que marca fosse. Para mim uma cerveja preta era a que mais me satisfazia. Manias. Calor que chegava. As quitandeiras alinhavam-se no passeio e nas bancas improvisadas atrás. Isto perto do cinema São Paulo. Ir ao Kinaxixe não dava jeito. Aqui tinha mais banga. As vozes eram tantas e ao mesmo tempo faziam um ruido típico de mercado, não de grandes proporções, mas suficiente para se conseguir ver tudo e assim comprar as coisas de interesse. Os risos das mulheres, a correria das crianças por entre as quindas e o consequente ralhar das mães e das que o não eram, não fossem atirar com tudo para o chão espalhando o que custou muito a tratar. As mais velhas mandavam na cachopada e eram respeitadas.

Naquele dia apeteciam-me umas anonas e pela “cara” delas, Santo Deus, deviam estar uma delícia. A uma certa distância ouvi uma mulher dizer para a quitandeira que vendia o que me interessava:

- Mãe Antónia, vai na Mutamba falar com Jácinto. Só sai à “meia” e preciso de dinhéro para os medicamento.

- Vai, “laripô”, que eu cuido.

Acerquei-me da quinda, peguei numa anona, examinei-a perante o olhar desconfiado da senhora, mulher para os seus 70 e alguns anos mas ainda vigorosa. Pelo meu sorriso adiantou:

- Góstou? São bóas mésmo!

- Já vi mãe Antónia e vou querer.

A quitandeira olhou-me com ar ainda mais desconfiado e ao mesmo tempo falou com a voz calma, assim, cautelosa, a tentar ler na minha face a reação às palavras que iria dizer.

- Como que sabes o méu nóme? Não me conhece, eu não le conhéço. Tem vindo áqui néste lugá?

- Não, não tenho, mas conheço a senhora e o seu nome não me vai esquecer mais.

Gostava de saber porque razão fui dizer que conhecia a senhora se não era quem eu pensava ser, descobri ato contínuo às suas palavras e à fisionomia assim mais de perto, não ser uma senhora que passava roupa no prédio onde aluguei a casa. Afinal para confirmação tinha ouvido o nome dela e não era o da outra. Paciência. Bom, “daquelas coisas” que associadas ao parecer ser quem eu pensava e o acto de ouvir-lhe a voz, mais o ter fixado a sua face vai só um impulso em tempo e... argolada. Já estava, já estava!

- Estóu gostando do “xindere”. Quanto que vais quérér?

- Dois quilos faz favor.

- Estám bém.

Pesou numa balança velha que nem o kaprandanda. Entregou-me o saco com os dois quilos. Perguntei quanto era. Disse-me nestes termos:

- Não págas nada. Quem sabe o méu nome diz qué náo vai ésquécê vai ter meu agrádo.

Fiquei completamente sem saber o que fazer, o que dizer, a meter a mão no bolso para tirar a carteira, ficar com ela na mão, a apertar o saco, meter a carteira no bolso, voltar a meter a mão no bolso, voltar a tirá-la e a apertar o saco, até que consegui falar:

- Mãe Antónia, por favor não me faça isso. Quero pagar.

Os remorsos começaram a perturbar-me e continuei:

- Por favor eu pago, a senhora precisa desse dinheiro.

- Não págas mésmo. As anónas são minha! Éu é quê mánda!

- Bom, então se não pago, deixo...

Fiz o gesto de quem ia deixar o saco e... Saiu de trás da quinda e veio para ao pé de mim:

- Não fáis isso comigo! Eu quer dar e pronto! Éu é quem sabe! Está me éntendéndo?

- Certo. Então vai aceitar o que lhe vou dar. - Aqui falei em voz baixa. Remexi na minha carteira, retirei um envelope pequeno que me tinham dado com um postalinho (coitada da Ana…) e meti lá dentro, sem que ela se apercebesse, uma nota de 20 angolares (Escudos). Era o que tinha. Nem mais nem menos. Dei-lhe o envelope com a nota e fui-me afastando lentamente, olhando de soslaio, não fosse a quitandeira deitar o envelope fora. Não. Abriu o envelope e disse em voz alta, já eu ia a cerca de trinta metros:

- Brigada “xindere”, meu filhia já pode págá no frámácia.

Reparei que as outras quitandeiras olhavam na minha direção. Todo eu sorria por dentro e a seguir por fora. Abençoadas anonas que me fizeram feliz nesse dia.

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- Olá mãe Antónia Sei que não estás entre nós, mas lá de cima estás a ver o que escrevo e estás a sorrir...Obrigado por isso.


Viriato Mondeguino

sexta-feira, 28 de janeiro de 2022

 

SOLIDÂO OU A CORAGEM DE ESTAR SÓ

 

 

Um triunfo que se consegue sobre nós é a coragem de sermos sós. As correntes opinativas que rodam em volta desta atitude não conseguem demover esta forma de estar, quando pessoal e de livre vontade. O nosso tempo de vida, consideramos então que somos entardecidos, deu-nos já o suporte, o conhecimento necessário para o resto que nos resta de vida. Nada nem ninguém é de geração espontânea. Alcandorados no nosso saber conseguimos assim uma cultura que por poucos é entendida pois é sempre muito pessoal e pouco divulgada...

            Ser solitário não é sinónimo de se estar doente psiquicamente. Ser só é também ter vencido a noite e permanecer sempre a acompanhar, paralelamente, os dias, apreciando-os, comentando-os, nunca permitir que eles passem sobre a nossa forma de estar. Apesar de termos uma opinião sobre o sermos úteis para a sociedade ao estarmos por opção, sós, nem sempre o que entendemos que é útil, é verdadeiramente útil para todos, e o melhor também, não gerou o melhor para todos. Descobre-se que em alguma circunstância das nossas vidas, o que lhe foi benéfica, mais tarde, não o foi. Também o contrário foi verdade. Examinem o que de vida passaram e notarão que nalguns destes passos aconteceu uma igualdade ao que digo. Ora, o resto de vida em solidão, saudável, (muitos não entendem isso e outros até a “tratam medicinalmente”…) não vai perdurar todo o tempo que resta ao mundo, nem nós o queríamos até porque iriamos dar conta que desapareceriam: o conceito de útil e inútil, o prejudicial e o favorável. Para a circunstância social, queremos manter-nos úteis sem pretender ser um elemento que desgaste recursos que outros acumulam para nos mantermos em solidão quando esta está em forma de doença.

Ser útil é assim um hino de continuidade ao saber adquirido que se deve prosseguir quando se envereda por uma solidão voluntária produzindo atos que melhorem os que nos rodeiam e que, mediante eles, provam que estão atentos à nossa forma de estar.

Ser “só” representa o estar atento a esta campanha legislativas, Janeiro 2022, verificar as acusações que os candidatos a governar o país e candidatos a serem remunerados pelo país. Nunca uma campanha foi tão básica, lembro as campanhas para os órgãos diretivos no Instituto Industrial de Nova Lisboa quando eu aparecia para fazer as frequências e me contavam as peripécias… Também nos clubes de futebol é assim…

Ser responsavelmente só, dá a visão do vulgo que nunca faz o trabalho de casa e vai votar na “cor”, irremediavelmente. Nunca se vai cumprir o país!

 

 

Viriato Mondeguino

           

 

segunda-feira, 17 de janeiro de 2022

 

A PROPÓSITO DE ELEIÇÕES… MAIS UMAS...





Da leitura e prática diária. retirei ensinamentos sobre o comportamento da nossa gente. Sei que ninguém reclama, justificadamente, o seu assento por direito próprio nesta sociedade. Também não é caso, agora, para se ser analisado como cidadão deste rincão, é-se então natural por nascimento e convicção. Mas, numa análise direta sobre essa filiação, teríamos o caos definitivo. Entretanto, o que muito nos aproxima desse caos absoluto, são as taxas que se pagam para nos manter e continuarmos a ser portugueses...

O nosso Camões diria que os marinheiros não conseguiam, marear, pensar, enquanto o corpo que dava para a marinhagem, não estivesse farto, ou minimamente satisfeito... só depois disso viria o tempo de escutar a razão e então criar um rumo.

Neste momento esta marinhagem necessita de uma viragem ascendente e não a descendente da curva que se apresenta a toda esta maruja. Tantos e tantos “motins” aconteceram... e vão acontecer, (até nas ruas em manifestações) por falta de “mantimentos” que satisfaçam os marinheiros neste viajar, agora e ainda, sem rumo certo e como sempre o fizemos, ao sabor da ondulação… mas orgulhosos de um pavilhão que sempre nos levou ao nada.

O que dizemos não é Restelismo, não é ser-se profeta, é constatar a realidade.

Se quisermos, podemos virar esta situação. É possível concretizar um país definitivamente, mas, temos que partir do concreto. Temos que partir, para esta nova etapa com a determinação do que se pretende, a partir do inventário real constituinte de um povo. Não podemos continuar a ter nas páginas desse inventário o possuir força para vencer os inimigos, quando os ditos não existem, não pode constar que temos que ir contra moinhos de ventos porque não existem, não podemos referir que temos outras terras quando nada mais se tem por aí. Não pode constar no inventário que somos o que não somos e se alguma vez o fomos... é melhor que nem isso conste para não darmos trabalho aos psiquiatras.

O que consta na base do nosso inventário é um país continuadamente separado. Separado fisicamente de parcelas territoriais que são suas e separado das realidades das parcelas que nos continuam afastadas. O que consta no inventário de base é que somos um povo de poetas e fadistas. Somos povo para aí virados. Não somos povo para domar o arado, a pedra, a pesca, o gado, explorar recursos naturais, o que for possível criar de útil. Consta nesse inventário que entregamos o que quer que seja disso por uma boa noite de doce encantamento e que nos faça lembrar durante anos o sucedido.

Consta no inventário que até trabalhamos bem. Constará que, se formos bem dirigidos para isso, trabalhamos exemplarmente. Quando constará que sabemos dirigir porque sabemos trabalhar?

Meu caro leitor, teremos que partir de uma série de “coisas nossas” que não pudemos perder, têm que fazer parte do inventário, mas definitivamente temos que atirar fora o que fomos, do que nos orgulhamos, mas que não nos dá já nada. Pode colocar-se isso num livro de memórias, nunca num inventário!

Urge fazer o inventário e começar a trabalhar, mesmo, para cumprirmos Portugal.

Se o não fizermos, através de alguém que marque o rumo, teremos que ser nós a determinar quem queremos para nos ajudar a levar o país à situação de o ser. Independente, útil, capaz de perpetuar desígnios, enfim, referências do ADN que pretendemos desde sempre, quem pensa Portugal, transmitir à geração seguinte que nos irá permitir a alegria de os ver crescer e realizar-se.

Apesar de tudo, a realidade está patente nestas eleições. Claro que o que lhe digo é tão óbvio, que talvez merecesse outro tipo de texto, mas não. A verdade é que, não aceitamos quem nos diga que se está a proceder mal. Que vamos votar nas mesmas cores do nosso “clube” sem analisar nada.

Meu caro leitor, o virtual é algo que nos faz discutir em longos discursos, mas, quando a realidade se nos apresenta e nos exige solucionar erros? Vamos a isso? Analisar o que verdadeiramente nos interessa e votar sem olhar a cores e não ter medo de criar maiorias?


Viriato Mondeguino

  A Liberdade de um empréstimo      A liberdade é um bem inestimável no ser humano, tal como o ar que respira, a água que bebe... Nen...