OLÁ MÃE ANTÓNIA!...
- Como se chama a senhora?
- Ouviu a minha filha? Pode ser assim.
- Muito bem. Então mãe Antónia, diga-me quanto quer por estas uvas? Parecem estar maduras.
- São “borrado das moscas”, da minha produção. Doces, doces, doces com'ó mel!
- Pago-lhe quanto?
- Um “ero” e meio, já as vendi mais caras hoje.
- Está bem, está bem, pese dois quilitos.
A frase: “Ouviu a minha filha?” levou-me instantaneamente para o musseque São Paulo em Luanda. Passaram tantos anos sobre esse sábado, junto a uma quitandeira com a sua quinda cheia de... meio meio, anonas e quiabos.
O dia, naquelas paragens, estava quente e às dez horas da manhã já apetecia beber uma cerveja de que marca fosse. Para mim uma cerveja preta era a que mais me satisfazia. Manias. Calor que chegava. As quitandeiras alinhavam-se no passeio e nas bancas improvisadas atrás. Isto perto do cinema São Paulo. Ir ao Kinaxixe não dava jeito. Aqui tinha mais banga. As vozes eram tantas e ao mesmo tempo faziam um ruido típico de mercado, não de grandes proporções, mas suficiente para se conseguir ver tudo e assim comprar as coisas de interesse. Os risos das mulheres, a correria das crianças por entre as quindas e o consequente ralhar das mães e das que o não eram, não fossem atirar com tudo para o chão espalhando o que custou muito a tratar. As mais velhas mandavam na cachopada e eram respeitadas.
Naquele dia apeteciam-me umas anonas e pela “cara” delas, Santo Deus, deviam estar uma delícia. A uma certa distância ouvi uma mulher dizer para a quitandeira que vendia o que me interessava:
- Mãe Antónia, vai na Mutamba falar com Jácinto. Só sai à “meia” e preciso de dinhéro para os medicamento.
- Vai, “laripô”, que eu cuido.
Acerquei-me da quinda, peguei numa anona, examinei-a perante o olhar desconfiado da senhora, mulher para os seus 70 e alguns anos mas ainda vigorosa. Pelo meu sorriso adiantou:
- Góstou? São bóas mésmo!
- Já vi mãe Antónia e vou querer.
A quitandeira olhou-me com ar ainda mais desconfiado e ao mesmo tempo falou com a voz calma, assim, cautelosa, a tentar ler na minha face a reação às palavras que iria dizer.
- Como que sabes o méu nóme? Não me conhece, eu não le conhéço. Tem vindo áqui néste lugá?
- Não, não tenho, mas conheço a senhora e o seu nome não me vai esquecer mais.
Gostava de saber porque razão fui dizer que conhecia a senhora se não era quem eu pensava ser, descobri ato contínuo às suas palavras e à fisionomia assim mais de perto, não ser uma senhora que passava roupa no prédio onde aluguei a casa. Afinal para confirmação tinha ouvido o nome dela e não era o da outra. Paciência. Bom, “daquelas coisas” que associadas ao parecer ser quem eu pensava e o acto de ouvir-lhe a voz, mais o ter fixado a sua face vai só um impulso em tempo e... argolada. Já estava, já estava!
- Estóu gostando do “xindere”. Quanto que vais quérér?
- Dois quilos faz favor.
- Estám bém.
Pesou numa balança velha que nem o kaprandanda. Entregou-me o saco com os dois quilos. Perguntei quanto era. Disse-me nestes termos:
- Não págas nada. Quem sabe o méu nome diz qué náo vai ésquécê vai ter meu agrádo.
Fiquei completamente sem saber o que fazer, o que dizer, a meter a mão no bolso para tirar a carteira, ficar com ela na mão, a apertar o saco, meter a carteira no bolso, voltar a meter a mão no bolso, voltar a tirá-la e a apertar o saco, até que consegui falar:
- Mãe Antónia, por favor não me faça isso. Quero pagar.
Os remorsos começaram a perturbar-me e continuei:
- Por favor eu pago, a senhora precisa desse dinheiro.
- Não págas mésmo. As anónas são minha! Éu é quê mánda!
- Bom, então se não pago, deixo...
Fiz o gesto de quem ia deixar o saco e... Saiu de trás da quinda e veio para ao pé de mim:
- Não fáis isso comigo! Eu quer dar e pronto! Éu é quem sabe! Está me éntendéndo?
- Certo. Então vai aceitar o que lhe vou dar. - Aqui falei em voz baixa. Remexi na minha carteira, retirei um envelope pequeno que me tinham dado com um postalinho (coitada da Ana…) e meti lá dentro, sem que ela se apercebesse, uma nota de 20 angolares (Escudos). Era o que tinha. Nem mais nem menos. Dei-lhe o envelope com a nota e fui-me afastando lentamente, olhando de soslaio, não fosse a quitandeira deitar o envelope fora. Não. Abriu o envelope e disse em voz alta, já eu ia a cerca de trinta metros:
- Brigada “xindere”, meu filhia já pode págá no frámácia.
Reparei que as outras quitandeiras olhavam na minha direção. Todo eu sorria por dentro e a seguir por fora. Abençoadas anonas que me fizeram feliz nesse dia.
.............................................................................................................................................
- Olá mãe Antónia Sei que não estás entre nós, mas lá de cima estás a ver o que escrevo e estás a sorrir...Obrigado por isso.
Viriato Mondeguino