quinta-feira, 16 de maio de 2024

 

A Liberdade de um empréstimo


    A liberdade é um bem inestimável no ser humano, tal como o ar que respira, a água que bebe... Nenhum sistema social ou político pode coartar o que a natureza humana reclama e lhe é devida por seu direito.

    A liberdade na comunidade europeia, escrevo-a agora com letra minúscula, é de uma subjetividade atroz. Vejam-se os mil e tal milhões de euros que nos “deram”… foi-nos dada uma esmola humilhante para que sobrevivamos fisicamente. Não a deveríamos aceitar no formato que aceitámos. Deveríamos lutar para que não precisa-se-mos mais dela e não nos humilhemos mais. Não quero que a partir desta minha observação, se entenda que esteja contra esta comunidade que é o nosso “amparo físico”, diga-se de passagem. Não exatamente! O que me parece humilhante é termos recebido sempre tanto dinheiro (vendido a liberdade) e acabarmos a não produzir o que nos faz falta, (dizem que não se justifica...) embora não produzissemos, “lá atrás” o suficiente, quantitativamente e qualitativamente para as necessidades nossas, mas produzia-se, e, com a qualidade que nos era exigida na altura. Agora é urgente produzir. Equacionar as necessidades e começar a pensar no assunto.

    Temos possibilidade de produzir: para as “novas tecnologias de informação”, “produtos alimentares assentes na ciência”, “têxteis de última geração”, “mobiliário e peças de decoração com design avançado”, calçado inovador e igualmente tecnologicamente avançado”, “auto mobilidade de vário tipo”, “software para todos os tipos de serviços, entretenimento, etc”. Tanta área e capacidade não nos falta. O nosso ensino superior é de excelência.

    Na parte agrícola, as nossas sementeiras e desenvolvimento de sementes, desfrutaram de um clima único, não igualável... batata, trigo, cevada, centeio, milho, legumes... o leite, vinho, queijo... azeite, frutas de época, tudo era e é diferente no paladar e estrutura, em comparação com o resto da Europa. É único o nosso pescado, dada a temperatura do nosso mar e diversidade das espécies que lá encontramos e que devemos acautelar se queremos ter um futuro na área...

    Tudo isto, ainda é insípido. Temos medo de produzir. Dizemos sempre que: “Não dá!” Para os estrangeiros que cá se radicam dá e de que maneira. Por exemplo o olival… a vinha… as frutas...

    Não é possível mais ter-se terra cultivável e não a cultivar! Não é possível aceitar mais cotas para produtos que nós produzimos e necessitamos, mas que nos obrigam a importar, mas, dizia, produzimos produtos com muita qualidade, sem a quantidade é certo, mas precisamente é aqui que existe uma mais valia, a diferença entre o importado e o que é nosso.

    Não devemos ser pedintes, possuindo! Não devemos ser a “cópia” de alguma coisa que nos querem impor! Para isso existem carimbos.

    Já tive a oportunidade de dizer, que só seremos uma cultura a partir da altura em que não aceitemos esmolas dos que podem e que com essa dádiva, nos vão ditar o que querem de nós.

    Agora, até lá, temos que mudar a nossa forma de ser. Ser não é Ter e os que nos quiseram dar para termos, nunca pretenderam que sejamos.

    Analise-se o caso da China. Esses dirigentes querem Ter, e o Ser da sua sociedade? Está a soçobrar ou acabará por soçobrar! Por mais que queiram fazer parecer que não, não é verdade. Em cada cidadão que deixa de Ser, porque é explorado na sua dignidade, mediante a força do Ter, sobre si, a sociedade, o seu Ser vai desaparecendo irremediavelmente, mas também porque os humanos se agarram ao Ter para satisfação, primeiro física, depois, aqui é subtil, porque orientados para isso, são manipulados para se “mostrarem” na nova sociedade tecnológica. Também estão a conseguir, com a força do Ter, acabar com o Ser de muitos e muitos... povos. Mas, mais tarde, com o acumular do ter em alguns cidadãos, em detrimento do ser e o não ter de muitos e muitos outros, esta situação vai acumular, acumular até que rebentará.

    Governantes vários cedem, sorriem e acatam as decisões dos que têm, anulando lentamente as suas próprias sociedades, no seu Ser. Passam pelos locais onde são poder, resolvem as suas vidas com reformas, obscenas, em relação ao que aufere o povo e conseguido isso, dizem para o povo: “Adeus, até ao meu regresso... ou até nunca mais”. E continuamos a dar-lhes a “chave da nossa dispensa”.

    Estas análises são breves, porém são carregadas de angustia ao ponto de pensar que estes “espremedores sociais” são muito capazes, até pela sua incompetência, de nos atirar para uma situação onde se irá perder, para vivermos o final de vida como planeámos e em regra assumida, tudo o que fomos construindo de material para conforto nosso, ameaçando-nos e concretizando, no desenrolar da ação, também a destruição das nossas amizades, construidas durante a vida, porque teremos que ir, cada um para seu lado, viver em locais, se isso ainda for possível, de onde os nossos trisavós saíram para melhorar a sua vida.


Victor Martins

segunda-feira, 6 de maio de 2024

 

AS COISAS QUE EU PENSO...



    Tal como na vida, nada é tão simples como a entrada (nascimento) de um partido, ou coligação, na governação… nada é tão igualmente simples, que a sua “morte” (fora da governação). Simplesmente se nasce e simplesmente… se morre.

    Não vale a pena fugir destas coisas simples, agregando-lhe complicações. É devastador o que fazemos à nossa mente quando ligamos os “complicadores”. Tudo que é simples está transformado num “colossal desvio”. Redunda sempre em dor. Ou porque não temos capacidade para dar seguimento à solução das coisas, ou porque o caminho seguiu tal capricho que a solução encontrada passa para lá do problema que criámos ao termos agregado às coisas simples a complicada forma de estarmos na vida (também política).

    Ser grande, acima de toda esta bagunça partidária, e quiçá da vida, significa que se sintetizou tudo. Ser sábio, significa que a síntese que criámos para as coisas, resolve tudo de forma cabal e a usamos no nosso dia-a-dia. Ser simples significa ser sábio e ser grande.

    Agora, com esta esmerada situação política, é um Deus nos acuda! O Deus que criámos tem várias formas. A pior imagem de todas é o Deus complexo, que está sempre com a “espada” da justiça na mão pronto a exercer tudo o que criámos para essa imagem, e a castrar-nos (não se “estiquem”, entenda-se Justiça Divina). Mas, vamos ponderar sobre as burradas que fazemos, o Deus que está adjacente à complicada forma de o vermos e sentirmos, não é complicado. É simples. É, e será eternamente simples. Ele é capaz de sintetizar a vida, as coisas da vida, e usar essa síntese em prol de todos. Mas o que é Deus que estamos sempre a clamar, sim porque quando as coisas correm bem, Ele não é tido nem achado na nossa vida, pergunto então, o que é Deus? Que conceito temos de Deus. É a complexidade da vida resolvida a contento? É a simplicidade solucionada e que flui de forma cristalina? Quando demos conta da sua existência? Quando é que ele nos assistiu? Na complexidade? Na simplicidade? Na dor da complexidade? No sorrir da simplicidade?

    A regra número um, a natural, da vida: é a não ocupação do espaço que o outro ocupa, porque possui volume visível e ponderável, tal como o nosso.

    A número dois? Começámos por criá-la, e a número três, a numero quatro; regras atrás de regras, até porque ao termos ponderabilidade, tínhamos que ordenar essa forma de estar no mundo. Começámos por nos separar da natureza porque o nosso pensamento conseguiu desligar-se do corpo, mas não na totalidade. Se o corpo não tiver os mínimos satisfeitos à sua sobrevivência humana, o pensamento jamais se separará do que é terreno. Logo não pensa e pouco existe. O ser-se humano, cujo conceito assenta na capacidade de nos separarmos da natureza, perde-se, por vezes por forma definitiva, passando a sermos uma parte móvel no planeta, sem que nos assista o direito ao que quer que seja por não conseguirmos reivindicar nada do que é nosso por direito, como seres humanos. Não o conseguimos fazer por não termos essa noção.

    Mas a nossa separação, do que nos é natural, levou-nos a criar um mundo para todos. Aqui, as regras, por mal elaboradas, conseguiram deturpar o principio simples da coexistência e divisão de recursos. Entrámos a ditar complexidade às coisas simples. As coisas simples, por isso, não o são na esmagadora maioria dos momentos da vida.

    Deixámos de ser grandes, deixámos de ser sábios, passámos a ser mutantes do que a natureza pretendia. A natureza é a simplicidade das coisas. Ela ouve… escuta… mas segue sempre. Ela é Deus. E Deus é simples, não é complexo e não castiga. Deixa-nos o trabalho de cuidarmos de todos para que a simplicidade seja o nosso mote.

    Mas não, somos complexos, desvirtuamos o simples, ligamos “sempre os complicadores” justificando essa nossa atitude. Criamos em nosso redor seres que deixaram de pensar porque o corpo não satisfeito não os deixa separar do pensamento. Simplesmente o amarfanha, silencia-o.

Estamos a criar um povo de mutantes que com braços caídos, andam de rua em rua, como autómatos à procura da simplicidade dentro da complexidade pois é esta a vontade dos governantes. Complexidade sobre complexidade. Até quando?

Comecemos por criar locais de debate entre seres humanos. Sejamos simples! Mostremos que a complexidade pode ser desmontada. Façamos isso em nosso nome, em nome das gerações futuras, mas, ponto de honra, em nosso nome!

As gerações futuras que ainda dependem de nós, irão agradecer e estarão à espera das nossas soluções!

Sugestão: 1º Tema – Porque razão voto sempre no mesmo partido?

2º Tema – Como posso contribuir para remodelar a estrutura dos partidos?

3º Tema - Como criar, ou garantir competências nos futuros candidatos à governação, de estado ou de municípios?

    Penso assim… Valerá a pena pensar assim? Dir-me-ão.



Victor Martins

sábado, 4 de maio de 2024

 

JÁ NÃO ROÇO MAIS MATO…

 

 

 

Olhando para o estado de coisas a que se chegou e que o novo governo alardeia, queixando-se de “barriga cheia” deixada pelo governo anterior, verificamos que graça a incompetência e se vislumbra, por já ter começado, uma destruição de valores e de, enfim, conquistas, conseguidos muito a custo, através de muito esforço financeiro, intelectual e de vontades do cidadão que não esperava por este estado de coisas.

          O dito esforço que conseguiu, por exemplo, um serviço de saúde, verdadeiramente necessário ao bem-estar do cidadão...

          Os tempos são outros e as perdas das possessões noutros continentes, levaram a quedas económicas e financeiras no nosso país, cujos governos nunca conseguiram levantar a nossa economia. A manutenção de arcaicos sistemas políticos, económico-financeiros, prática sistemática dos vários grupos políticos que nos governaram, tinha que levar a um fracasso claro, acrescentado a isso, ainda, um sangramento do país, tudo para conseguirem umas mordomias, aposentadorias ou acumulações de remunerações várias, conforme os cargos exercidos em “prol do povo”.

          É claro que o capitalismo de casino desenfreou através do mundo todo, dando aos povos uma nova forma de escravatura.

Como se pode produzir a um preço que dê dignidade ao “operário”, se nos países emergentes esse preço/salário é miseravelmente escravizador e os produtos seus são os que nos aparecem por cá?

A China clama aos quatro ventos que tem direito a ter uma opinião a nível social e económico como todas as nações e nada faz para a estabilização dos mercados financeiros porque sub-repticiamente tem entrado na economia dos países, assenhorando-se do que lhes pode “comprar” e agora reclama esse “património” que nunca foi deles, clamando para uma estabilização que não lhe “estrague” a entrada dominante nesses países? EDP… mais alguma coisa?

          Nós, com o nosso fraco poder económico e financeiro, aliciados pelo “facilitismo europeu” (vinda de €€€), caímos nestas malhas, é lá que vamos comprar, nas suas lojas, e duas vezes, porque o material é tão, mas tão mau, e perigoso, que vai ter que sempre ser comprado duas vezes porque não tem qualidade. A quantidade de tralha que nos vendem, de plástico e de coisas que não têm interesse nenhum é abismal.

          Experimentem reclamar aos vendedores chineses sobre os dois anos que todos os produtos têm que possuir de garantia. Zero. Legislação europeia não cumprida… comprei agora um telemóvel… bom não consigo reclamar que não tem som ao aliexpress pois foi nessa megaloja… (vigarice?) que comprei.

          É lógico que também os especuladores tomaram conta dos estados. Os políticos, nas suas vaidosas “fotografias de família”, futuramente, ou não, para mostrar aos amigos como são importantes no seu país, deixaram o nosso país cair nesta situação… até nos dão “aulas” quando nos informam que nos vão dar o que é nosso. Impostos, scuts, escalões do irs, vencimentos, pensões… que sei eu.

          Nós, que sempre lutámos por tudo o que temos, digo tínhamos, porque, como estou na classe dos que têm um pouco mais que mil euros, iremos pagar tudo, até que o perder a capacidade de honrar os nossos compromissos se verifique.

          Como nos envergonham “chorando” sobre o “excedente” orçamental, neste recente caso, dizendo que o “menino” anterior disse que lhe “emprestava o comboio” e agora “não tem o comboio”. Ainda por cima todos estamos a ver o “comboio”. Será possível esta lamúria? Tanta incompetência? Estamos “tramados”. Sempre para pior!

          Tal como se lê no romance… “Quando os lobos uivam…” passaremos a lamentar, dizendo: “Já não roço mais mato… levam-mo todo! Puta que os pariu!”


Victor Martins

 

Esta e outras publicadas neste blogue, encontram-se já em livro, com o título " As (des)Aventuras de um professor em África"


A “CHITA”



          - Esta história que vamos contar…

          - Vais, porque só a ouvi, tal como tu… bom... na parte primeira da história, também foste protagonista.

          Carlos tinha sido interrompido por António. Retomou a conversa…

          - Tens razão… a primeira parte desta história passou-se, também, comigo…

          - Não é preciso ficares com essa cara. Já lá vão quase… quê?... muitos... quantos anos?

          - Mais ou menos, coisa e tal. Não interessa agora – Responde Carlos e continua – Penso que é assim, no seu todo... Mas... lembro-me do que aconteceu quando fiz parte da primeira investida do grupo e… sinceramente podia dar em grave tragédia, pese embora o mau que aconteceu ao… fico sempre, digamos que “arrepiado” ...

          - Mas conta, os leitores vão interessar-se por esta história… mais uma entre muitas…

          - Está bem, menino António. Cá vai. Tínhamos combinado ir à caça da Chita, eu, o Borges, o Franklin, o Celso, o Carvalho, o meu colega de escola, queria ir, mas quase sempre rumava a Sá da Bandeira... o Celso entrava pela primeira vez no grupo, era da Ganda, tinha aquela casa de tintas e materiais de construção, era muito amigo do Borges, o dono da oficina de reparações automóvel, e, também do Franklin…

          - Claro que me lembro dele. Um “acelerado”, sempre a mandar bocas, bom homem… ao seu jeito, mas estoira vergas, não era?

          - Era, António. Difícil de lhe estabelecer regras, como as que tínhamos na caça. Fomos para as bandas de Capira, tinham-nos dito que muitas Chitas por lá havia… lembrei-me do “grande lago”, aquela enorme porção de água que era “abastecida” por alguns riachos e uma forte nascente de água, a que dava origem ao rio Cubal. Seguia até à Catumbela, onde entrava no rio com o nome do local, Catumbela. Vê a nascente... tenho aqui a fotografia aérea do local...

                    

          Ora o nosso “pacaça”, o Land Rover cor cinzenta, como quase todos os jipes da “praça”, estava todo reparadinho, lustroso e a trabalhar que era um “mimo”. Seguimos em direção ao destino. Uma hora da manhã de um sábado. Mantimentos, as duas 375, a Parker e a Winchester e a S&W, velhinha (smith & wesson) com munições 300 Magnum. Estas munições não eram do tipo perfurante, sim destinadas a impacto, rombas, mais por causa dos elefantes, pacaças… enfim… nunca matámos nenhuma “peça com trombas” ou alguma “chifruda” com mais de 100Kg, que “necessitasse” da S&W. Mas era muito “digna” a presença dela no nosso grupo.

          O ar era fresco. A cerca de 30 quilómetros avistamos uma manada de galengues. Cerca de 10. Maravilhosos ruminantes. Mas, não era isto que nos interessava, sim o felino mais rápido a “funcionar” em Angola, e outras paragens, a chita. A minha velha “zeiss icon” tirou mais uns slidezitos à manada e lá continuámos para sul.

          - A Chita chega a atingir os 100 quilómetros por hora, não é?

          - Chega, dizem os entendidos na matéria que já provaram isso com os radares próprios para isso, bom, mas a vegetação que se via era a típica da zona. Eram árvores de médio porte nesta área, entre os dois e os cinco metros, com muita e muita terra entre elas mostrando o vermelho típico de uma terra “ferrosa” ... normal... muita espinheira, embondeiros espalhados pelo terreno, capim baixo a bordejar a estrada, picada boa, diga-se de passagem, sem regueiras provocadas pelas chuvas que levam os veículos a trepidarem de uma forma desesperante, e aquele pozinho teimando em levantar à frente do “pacaça”. Estava vento. Tudo a tossir de leve... e a beber água. Esta ia com fartura...

          Muitos e muitos quilómetros percorridos e começámos a dar conta que nos íamos aproximando da zona da “nascente” do rio Cubal, no grande lago, (por mim designado, entenda-se) porque a vegetação era agora mais densa e mais verde e o ar mais fresco. Enveredámos, saindo da picada principal, por uma bem mais complicada, em direção ao “lago”. Vimos no ar muitas aves o que nos “dizia” estarmos perto. O sol começava a aquecer o ambiente. Parámos perto do rio. Cada um tratou das suas tarefas... experimentar armas, sem tiro é claro, ver os mantimentos, e esticar as pernas.

          O Borges relembrou o que lhe tinha sido informado, falando para todos, e, conhecedor da área bem como o Franklin, com todos prontos, colocaram os dois, Borges e Franklin, as armas ao ombro, (confesso que nunca tinha visto esta forma de tratar as armas, vindo logo deles) agarradas pelo cano e seguiram, à frente, rumo à “nascente” do rio. O Celso pegou rapidamente na Parker, a “derradeira” e eu, olha, segui de “mãos nos bolsos a assobiar uma valsa”. Este Celso é um abusador, ia pensando atrás dele. Quem lhe disse que podia levar a arma?... Sentia-me completamente inútil... A arma não era a minha... a minha era uma caçadeira de 77 de cano, canos paralelos, uma Liege... Claro que não servia para nada nestas circunstâncias, nem com zagalote nos cartuchos, mas... enfim, ao menos se a tivesse trazido sempre “aconchegava” o ego.  

          Andámos dois ou três quilómetros mesmo assim, o suficiente para estarmos cansados por causa da viagem e do ato e pedras a ter que passar. Sentámo-nos numas, junto a uma fileira de árvores que circundavam umas “paredes” formadas por maciços de pedra... pareciam cortadas para fazer o tal muro. Estas pedras, eram curiosamente modeladas, pelo que parecia, por “agua” e agentes atmosféricos. Tinham imensas cavidades tipo bolsas, denotando pressão constante de água durante milhares de anos e na parte superior eram largas, com, aí uns dois metros, mas com fendas pelas vertentes, partidas, digamos, talvez por excessos de temperatura e arrefecimentos rápidos. Era uma fila seguida, com cerca de quarenta metros de comprimento, por uns 3 de altura. Muitas das árvores, atrás e algumas na frente, pousavam os ramos sobre elas. Um bom esconderijo para aves e animais de pequeno porte...

          Levantámo-nos e, claro, predispus-me a seguir a brigada que chefiava o grupo... Ao menos podia ter trazido um bloco para ir “apontando alguma coisa”. Pensava. Bom, tinha a maquineta com um rolo, só com 6 fotos tiradas.  Era de 24 slides e ainda tinha outro intacto... os dois eram Agfa porque privilegiavam os tons azuis e verdes, eram melhores em paisagem que os Kodak. Estes davam mais ênfase aos tons quentes, vermelhos, amarelos...

          Para lá da metade, quase no final do “maciço” de pedras, Borges e o Franklin ficam de cócoras rapidamente.  Baixei-me também. O Celso ficou em pé a olhar para o local onde estavam os dois, mais à frente, e a tentar ver sobre as pedras o que poderia ser. Leva a arma acima e espreita pelo óculo. Lá na frente, gestos para nos baixarmos, mais para o Celso, porque eu já estava e não tinha condições para fazer o que quer que fosse. O Celso baixa-se, mas volta a levantar-se. O Borges mandava-o baixar com uns gestos que se veriam a 200 metros. Afasto-me um pouco para a direita da barreira de pedra que estava à nossa esquerda, por forma a poder ver o que se passava.

          Vejo três chitas. Uma é um filhote. Só oiço um tiro, um rosnado enorme de raiva de uma chita. Era o macho e um restolhar sobre as pedras com os ramos a abanarem progressivamente na nossa direção. Dois tiros são ouvidos e os animais desaparecem.

          Borges e Franklin tinham atirado para o topo das pedras para afastar o macho que “voava” na direção do Celso... e da minha.

          Foi o fim do mundo. O Borges e o Franklin desancam o Celso de tudo quanto era nome chamando-o, agora em português mais “legível”, de irresponsável que não fazia a mínima ideia do que era caçar, que podia ter posto em perigo a sua pessoa e a minha e que se não tivessem disparado para afugentar o animal tinha-se dado uma tragédia. Foi ele que atirou à revelia... sabia as regras e não as cumpriu. Só a ganância da peça....

          O Celso não conseguia engolir aquela “desanca”, e ia respondendo. Entretanto fomos dar uma volta pelo local e soubemos que quem tinha sido baleado pelo dizer do Celso era a cria... de raspão, pelo menos a julgar pelo pouco sangue que se via no chão.... Continuámos a seguir o rastro e trezentos metros mais à frente, sob uma pedra, o casal... a cria esta deitada.... Tínhamos ali o resultado da precipitação. Celso avança para ir buscar o animal. Borges e Franklin correm atrás dele, deitam-lhe a mão à casaca de caça e viram-no para eles. Borges diz-lhe com a cara quase em cima da dele e de punho pronto...

          - Já fizeste uma linda coisa, agora querias morrer. Ficas aqui já! Voltas para trás connosco. Entretanto Franklin com a arma pronta a disparar estava expectante. Mantinha o casal de chita sobre mira.... Só se viam, agora, parte das orelhas do macho e parte do focinho. A cria à vista, mas os progenitores atentos ao nosso grupo.... Olhavam para nós. O macho rosnou novamente de uma forma furiosa que nos fez voltar para trás a “passo de corrida”.

          Já no jipe e a caminho de casa, com uma viagem inútil como base de humor, e uma tensão algo desconfortável, Franklin lembrou a Celso.

          - Celso, sabias que não devias disparar sem que estivéssemos prontos e em situação resguardada. A chita não é nenhuma cabra de leque, não é um galengue, um gnu... é perigosíssima quando ferida. Quando isso acontece vai atacar nos próximos minutos com toda a certeza. Esconde-se e ataca sem se dar conta dela. Mataste a cria e viste que ela ia atacar se não fosse a pronta atuação, minha e do Borges,  atacava-te e eventualmente ao António. Nunca mais faças isto!

          Franklin diz-lhe:

          - Vais desculpar, mas mais uma destas e o teu pedido de ingressar o nosso grupo fica sem efeito! Que ganância!

          Seguiu-se um silêncio de quilómetros... Para desanuviar o ambiente, Borges e Franklim começam a traçar novos projetos. Seria para os lados da saída do Cubal para Benguela, antes do entroncamento com a estrada que vem do sul. O soba da sanzala... agora não me lembro do nome... ficava para o lado da captação de água... Bom, o soba tinha pedido um galengue ou cabras, para uma festa de casamento que ia acontecer daí a quinze dias. O relacionamento entre o Franklin, mais que o Borges, com os sobas da região, era excelente. Franklin, dono de uma fazenda de sisal cuidava dos seus trabalhadores como poucos. O Matos já não era tanto assim, embora nada faltasse aos trabalhadores, sabíamos isso tudo, pelos próprios trabalhadores.

          - Deixa-me perguntar Tó, o Matos fazia parte do grupo, mas ia poucas vezes convosco?

          - Ia... tinha afazeres que o Franklin não tinha. O pai do Franklin era quem dirigia a fazenda, e por isso estava muito mais “solto”. Tanto que dava física na D. João II. Era meu colega. Mas, com esta peripécia, passaram-se cerca de 8 dias, até que, um dia, estávamos no café, eu, tu, o Valentim, o Sousa e aparece o Borges com cara de quem está maldisposto. O Valentim, bem ao seu jeito, dispara:

          - Ó Borges, estávamos aqui a pensar em te debitar esta despesa, mas como vens aí, podes pagar diretamente ao balcão, embora estejas com cara de quem não está para aí virado.

          - Pago sim senhor. Mas a minha cara tem a ver... - Sentou-se e pediu uma Cuca. Virou-se para nós e diz.... Pois é, avisei ou não avisei o Celso para não tornar a fazer asneiras? - Olhámos um para o outro, estás lembrado? Pois foi outra vez ao local, agora com dois fulanos seus vizinhos na Ganda.

          Desencostámo-nos automaticamente dos bancos... Borges continuou...

          No sitio onde atirou sobre a cria, e no meio dos dois companheiros a chita, presume-se que o macho, só podia ter sido, saltou-lhe em cima, rasgou-lhe parte da cara e do ombro... O animal falhou porque, por milagre, o Celso tinha-se virado no momento para perguntar qualquer coisas aos outros. Bom, vieram a “voar” para a Ganda, o jipe gripou à entrada do hospital, seguiram para Nova Lisboa e já foi para Luanda... Tem necessidade de uma cirurgia muito complicada e disseram-me que o olho fica comprometido. Não morreu por milagre, tanto sangue perdeu...

          Tinha dito àquele palerma que não podia brincar com este tipo de animal. A ver se não foi direitinho a ele?!!!... há “gajos” que não ouvem ninguém!

- Agora, estás calado! Claro António, não é para menos... - Digo para Carlos.

    - Vês que afinal, os anos passam, mas o peso do que acontece não desaparece assim.

     - É melhor não pensarmos mais nisto e despedirmo-nos com um até breve.

 

 

 

Victor Martins

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