segunda-feira, 28 de fevereiro de 2022

 

O que há de novo e benéfico nas azeitonas?

Resolvi enveredar pela “investigação” sobre a azeitona, em geral, sendo a mediterrânica a que mais matura com todos os seus ingredientes… Dezenas de nutrientes para a proteção da saúde têm sido referenciadas nas azeitonas e estudos recentes são sobre as variedades de azeitonas e o respetivo processamento do azeite. A conclusão, a partir desses estudos, é interessante para quem gosta de azeitonas... de todas as variedades.
As gregas são predominantemente, pretas; as espanholas são verdes… As nativas no nosso país são pretas, as verdes predominantes no sul, não são “naturais” ou seja, não pertenciam a este nosso solo.
Bom, mas qualquer tipo, apesar dos muitos métodos diferentes de preparação da azeitona fornecem-nos quantidades importantes e diferentes de antioxidantes e anti-inflamatórios que entram no organismo como nutrientes. Estes anti-oxidantese, anti-inflamatórios, ocorrem durante o amadurecimento da azeitona. É neste estágios, maturação, que acontece uma diminuição de oleuropeína e a subida de antocianinas. É impossível afirmar que qualquer tipo de azeitona não é benéfica para a saúde. Isto porque qualquer azeitona e o seu sucedâneo, o azeite, possuem elementos, particularmente em termos de propriedades, antioxidantes e anti-inflamatórios benéficos.
Hidroxitirosol, um fitonutriente da azeitona que há muito tem sido associada à prevenção do cancro, é agora considerado como tendo o potencial para nos ajudar a prevenir a perda óssea também. Vários estudos recentes em animais têm encontrado um aumento da deposição de cálcio nos ossos e redução da perda de massa óssea total após o consumo deste fitonutriente da azeitona (bem como a oleuropeína, uma outra “tecla” fitonutriente encontrada nas azeitonas). Estas descobertas são fascinantes, já que o consumo de uma dieta mediterrânica tem sido associado como capaz de diminuir o risco da osteoporose. Aqui as azeitonas muitas vezes estão no centro do palco dos estudos desta dieta.
Em práticas tradicionais de medicina de ervas, a preparações de azeitonas e as folhas de oliveira têm sido muitas vezes utilizadas no tratamento de problemas inflamatórios, incluindo alergia relacionada com alguns tipos de inflamação. As novas pesquisas ajudam a explicar como as azeitonas trabalham para nos proporcionarem benefícios anti-inflamatórios, especialmente em circunstâncias que envolvem as alergias. Com os extratos de azeitona demonstrou-se que funcionam como anti-histamínicos ao nível celular. Ao bloquearem os receptores da histamina especiais (chamados receptores H1), os componentes únicos em extratos de azeitona, ajudam a diminuir a resposta de histamina das células isto porque a histamina é uma molécula que pode ser produzida em excesso nas alergia e ser um ponto chave no processo inflamatório. São mais que prováveis os benefícios anti-inflamatórios que recebemos a partir das azeitonas que envolvem esta via anti-histamínica. Também as azeitonas têm um papel especial a desempenhar como parte de uma dieta anti-alérgica em geral.

Benefícios para a saúde

Embora geralmente reconhecido como um alimento de alto teor de gordura (cerca de 80-85% das calorias provenientes de azeitonas são em gordura), as azeitonas não são sempre apreciadas por causa deste tipo de gordura. A tal que “ataca o figado”… Dizem… Os vários tipos de oliveiras são diferentes na sua qualidade de gordura. Mas fornecem quase três quartos da sua gordura como o ácido oleico, um ácido graxo monoinsaturado, importantíssimo para a saúde. E fornecem uma pequena quantidade do ácido gordo essencial chamado ácido linoleico, e uma quantidade ainda mais pequena de ácido alfa-linolénico, um ácido omega-3 fatty. Todo o teor de gordura monoinsaturada elevado da azeitona tem sido associada a risco, mas praticamente nulo na doença cardiovascular.

Quando as dietas baixas em gordura monoinsaturada são alteradas para aumentar o teor de gordura monoinsaturada (sem se tornar demasiado alta em gordura total), os participantes do estudo de pesquisa em geral, mostram uma diminuição de seus níveis de colesterol no sangue, colesterol LDL e LDL: HDL. Todas essas mudanças diminuem o risco de doença cardíaca.

Estudos actuais mostraram também que a gordura mono-insaturada encontrada nas azeitonas (e azeite) ajuda a diminuir a pressão sanguínea. O ácido oleico encontrado nas azeitonas, uma vez absorvido pelo nosso organismo é transportado para as células e vai alterar os padrões de sinalização ao nível da membrana celular (especificamente, alterando as cascatas de proteína G-associadas). Estas alterações na membrana celular dão resultado positivo no nível da pressão sanguínea. Esta diminuí significativamente.

Em termos de conteúdo de fitonutrientes, as azeitonas são surpreendentes. Poucos alimentos ricos em gordura oferecem uma gama tão variada de antioxidantes e nutrientes anti-inflamatórios, alguns dos quais são exclusivos das azeitonas.

A lista abaixo mostra alguns fitonutrientes chave das azeitonas, organizado pela sua categoria química:

Fenóis simples

tirosol
hidroxitirosol

Terpenos (incluindo secoiridoids e triterpenos)

oleuropeína
demethyloleuropein
eritrodiol
uvaol
ácido oleanólico
ácido elenoic
ligstroside

Flavonas

apigenina
luteolina

Ácidos hidroxicinâmicos

ácido cafeico
ácido cinâmico
ácido ferúlico
cumárico

Antocianidinas

cyanidins
peonidins

Flavonóis

quercetina
kaempferol

Ácidos hidroxibenzóico

ácido gálico
ácido protocatecuico
ácido vanílico
ácido siríngico

Ácidos hidroxifenilacético

ácido homovanílico
ácido homveratric

Dada esta riqueza fitonutriente, não é surpresa que as azeitonas forneçam benefícios para a saúde ao estanderem-se para a maioria dos órgãos do nosso corpo. Os benefícios das azeitona foram demonstrados ao nível do sistema cardiovascular, sistema respiratório, sistema nervoso, sistema músculo-esquelético, sistema imunológico, sistema inflamatório, e sistema digestivo. Tem-se a certeza que muitas destas atuações nos diversos órgãos estão relacionados com duas subjacentes de saúde, seja, a sua invulgar função antioxidante e anti-inflamatória.

Benefícios antioxidantes

A grande maioria dos fitonutrientes da azeitona, mostrados acima, como antioxidantes, ajudam a evitar problemas indesejáveis devido ao stresse oxidativo. "Stress oxidativo" é uma situação em que as nossas células são insuficientemente protegidas contra danos do oxigénio, também pode ser relacionado a uma oferta insuficiente de nutrientes antioxidantes. Azeitonas são uma boa fonte de vitamina E antioxidante, elas contêm pequenas quantidades de minerais antioxidantes como selénio e zinco. No entanto, é o conteúdo fitonutriente da azeitona que a torna única como um alimento rico em antioxidantes e rapidamente assimilado pelo organismo sem perda.

O antioxidante mais estudado, o fitonutriente encontrado nas azeitonas é oleuropeína. Oleuropeína é encontrada exclusivamente nelas e tem sido demonstrado que funciona como um nutriente antioxidante numa grande variedade de formas. A ingestão de oleuropeína foi demonstrado. diminui a oxidação do colesterol LDL. Para eliminar o óxido nítrico (a molécula que contém oxigénio reativo), reduz vários marcadores de stress oxidativo ajudando a proteger as células nervosas de danos relacionados com o oxigénio.

Um estudo recente que chamou a nossa atenção tem demonstrado a capacidade das azeitonas para aumentar os níveis sanguíneos de glutationa (um dos nutrientes antioxidantes do organismo premier). Numa pesquisa muito interessante aos participantes deste estudo não foram dadas azeitonas frescas para comer, mas sim a partir de azeitonas de resíduos pulpy que tinham sido previamente moídos para produzir azeite. O consumo desta polpa de azeitona deu lugar a que os níveis de glutationa fossem significativamente aumentados no sangue dos participantes e a consequente melhoria na sua capacidade antioxidante.

Curiosamente, não é comum trocas feitas nos níveis de antioxidantes diferentes na azeitonas durante a maturação na árvore, ou seja, por exemplo, o teor de vitamina E das azeitonas pode aumentar durante uma maturação precoce, quando o total de antioxidantes fenólicos nas azeitonas são ligeiramente decrescentes. Num processo de maturação normal, essa tendência pode ser revertida.

Benefícios anti-inflamatórios

Além da sua função como antioxidante, muitos dos fitonutrientes encontrados nas azeitonas possuem, já bem documentadas, propriedades anti-inflamatórias. Extratos de azeitonas inteiras têm sido usados para funcionar como anti-histamínicos ao nível celular. Ao bloquear os receptores da histamina especiais (chamados de receptores H1), componentes exclusivos em todo o extrato da azeitona fornecem benefícios excelentes anti-inflamatórios. Em adição às suas propriedades anti-histamínicas, extratos integrais da azeitona, também se demonstrou que deram uma redução do risco de inflamação indesejada pois baixaram os níveis de leucotrieno B4 (LTB4), a molécula de mensagens muito comum pró-inflamatória. Oleuropeína, um dos fitonutrientes únicos encontradas em azeitonas, tem sido usado para diminuir a atividade da síntase do óxido nítrico induzível (iNOS). iNOS é uma enzima cuja hiperatividade tem sido associada como uma inflamação indesejada.

Tomado como um grupo, estes resultados da investigação apontam para azeitonas exclusivamente como um alimento anti-inflamatório.

Aos benefícios anti-inflamatórios das azeitonas tem sido dada atenção especial na área da saúde cardiovascular. Em pacientes cardíacos, polifenóis das “oliveiras” foram determinados para níveis mais baixos de sangue de proteína C-reativa (CRP). CRP é uma medida do sangue amplamente utilizada para avaliar a probabilidade de inflamação indesejada. “Olive polifenóis” também foram encontrados para reduzir a atividade de uma via metabólica chamada a via do ácido araquidonico, que é central para a mobilização de processos inflamatórios.

Anti-Cancro, Benefícios

As propriedades antioxidantes e anti-inflamatórios das azeitonas torna-as um produto natural para a proteção contra o câncer, porque o stresse oxidativo e inflamação crónica podem ser fatores-chave no desenvolvimento de cancro. Se as nossas células ficam sobrecarregadas pelo stresse oxidativo (dano à estrutura celular e função celular por muito reativas de oxigénio contendo moléculas) e inflamação excessiva crónica, o risco de câncer de células é aumentado. Ao ingerirmos fontes ricas em antioxidantes e anti-inflamatórios nutrientes das azeitonas podemos ajudar-nos a evitar esta combinação perigosa do stresse oxidativo e inflamação crónica.

Pesquisa sobre azeitonas inteiras e câncer muitas vezes focada em dois tipos de cancro: cancro da mama e estômago (gástrico). No caso do cancro da mama, uma atenção especial tem sido dada aos fitonutrientes triterpenos das azeitonas, incluindo o ácido eritrodiol, uvaol e oleanólico. Estes fitonutrientes da azeitona têm sido mostrados para ajudar a interromper o ciclo de vida das células de cancro da mama. Interrupção dos ciclos celulares também foi mostrado no caso do carcinoma gástrico, mas com este segundo tipo de cancro, as azeitonas fitonutrientes exatos envolvidos são menos claros.

Um dos mecanismos que ligam o consumo da azeitona para proteção contra o câncer pode envolver nossos genes. Fitonutrientes antioxidantes em azeitonas podem ter uma habilidade especial para proteger o DNA (ácido desoxirribonucléico), o componente químico chave de material genético nas células-de danos oxigénio.

Proteção do stress oxidativo DNA indesejado significa uma melhor função de células em grande variedade de formas e proporciona células com diminuição do risco de desenvolvimento de cancro.

Na Saúde e na Gastronomia

É importante selecionar um azeite de qualidade.

Quando é virgem e de baixa acidez, os seus benefícios para a saúde são imensos, sendo a melhor de todas as outras gorduras.

Rico em vitamina E e ácidos gordos monoinsaturados, o azeite favorece a mineralização óssea, combate o envelhecimento dos tecidos e órgãos em geral, contribui para o bom funcionamento da vesícula biliar e restante aparelho digestivo e ajuda a prevenir doenças cardiovasculares, alguns tipos de cancros e diabetes.

Resumindo, os efeitos benéficos do azeite sobre o organismo são:

Aparelho circulatório: Ajuda a prevenir a arteriosclerose e os seus riscos
Aparelho digestivo: Melhora o funcionamento do estômago e do pâncreas, o nível hepato-biliar e o nível intestinal
Pele: Efeito protetor e tónico da epiderme
Sistema endócrino: Melhora as funções metabólicas
Sistema ósseo: Estimula o crescimento e favorece a absorção do cálcio

Assim podemos analisar o verdadeiro interesse das azeitonas na dieta mediterrânica. O “fazer mal a isto e aquilo…?...” Bom a moderação é a prática a seguir, mas, quando temperadas com um fio de azeite, alho picadinho e muito óregãos… bom, “vai lá dizer que fazem mal! Calem-se!”



Viriato Mondeguino

domingo, 13 de fevereiro de 2022

 

Coisas da vida


      Por vezes os textos dos requerimentos, das declarações, comunicações, ocorrências, as indicações de placas de aviso... dão um excelente impulso para sorrirmos no meio desta nossa agrura de vida.

      A um amigo meu, apareceu-lhe um dia um requerimento com o seguinte texto:

      “ Esselentíssimo senhor Juiz:”

      Levou aos colegas a leitura e uma interpretação… se houvesse…

      Todos tinham admitido que era um erro ortográfico, ao que o meu amigo lhes disse que não o seria se visto por outro prisma, em virtude do caso se andar a arrastar já há dois anos, tinha investigado e assim informava os colegas. O caso era “empurrado” pela acusação com base numa nova investigação, novas provas, etc. Perante este pressuposto, o único erro do requerente, dizia aos colegas o meu amigo, foi o de juntar duas palavras para que formaram assim uma. Continuou para os colegas: A forma como escreveu, entretanto, não fazia, como era habitual, a anulação do pretendido. Estaria até correto quando afirmava de uma forma, enfim, pouco “discreta”. Este o seu pressuposto, o requerimento dirigia-se claramente a: “Esse lentíssimo senhor Juiz.”

      Torna-se claro que o meu amigo, apesar do “peso” da sua profissão, quanto a humor, nunca foi sisudo. Outro caso, uma ocorrência cujo relatório foi elaborado por um elemento da força policial e que entretanto foi parar na sua mão. O caso relatava que um individuo tinha morrido após o embate da motorizada que conduzia, num muro de uma propriedade. Relatava assim o relatório da ocorrência:

      “Cumpre informar que o que aconteceu foi grave. O senhor, quando se deslocava na sua motorizada, despistou-se, não se sabendo porque tal aconteceu, bateu com a cabeça no muro, propriedade da senhora doutora farmacêutica, e, apesar de trazer um capacete, concerteza dos baratos, pois partiu-se todo com o embate, morreu. Podia ter sido muito pior se a motorizada tivesse entrado numa grande vala, com pelo menos cinco metros de profundidade, logo a seguir ao local do embate”.

      Pequenas coisas que fazem as nossas delicias e que não desilustram quem as viveu por nada mais conhecerem que as corrija.

      O caso seguinte é muito bem pensado como esclarecimento de um acidente a uma companhia de seguros. Claro que não é verdadeiro, honra quem teve esta capacidade de humorizar.

      “Exmos. Senhores,

      Em resposta ao vosso pedido de informações adicionais, esclareço:

     No quesito nº 3 da comunicação do sinistro disse: “tentando fazer o trabalho sozinho” como causa do meu acidente.

     Na vossa carta os senhores pedem uma explicação mais pormenorizada, pelo que espero sejam suficientes estes detalhes:

      Sou assentador de tijolos faz 20 anos e no dia do acidente estava a trabalhar sozinho num telhado de um prédio de 6 (seis) andares.

      Ao terminar o trabalho, dei conta que tinham sobrado aí uns 100 tijolos.

      Em vez de os levar à mão para baixo (o que demoraria muito), decidi colocá-los dentro de um barril vazio, que era da cal, e, com ajuda de uma roldana, a qual felizmente estava fixada num dos lados do edifício (mais precisamente no topo do sexto andar), pensei em descê-lo até ao chão.

      Desci até lá, amarrei o barril com uma corda e subi para o sexto andar, de onde puxei o dito cujo para cima, colocando os tijolos no seu interior. Voltei até ao chão da futura entrada do prédio e desatei a corda que tinha prendido, segurando-a com força para que os tijolos (+ ou - 80kg pensei eu) descessem devagar (de notar que no quesito 11 informei que o meu peso é de 80kg).

      O que aconteceu deixou-se surpreendido, senti-me rapidamente levantado do chão e, perdendo o que muito tenho, a presença de espírito, esqueci-me de largar a corda talvez com medo.

      Claro que é desnecessário dizer que fui içado do chão a grande velocidade. Nas proximidades do terceiro andar dei de cara com o barril que vinha a descer.

      Ficam, pois, explicadas as fraturas do crânio e das clavículas.

      Continuei a subir, agora a uma velocidade menor. Só parei quando os meus dedos ficaram entalados na roldana. Felizmente, nesse momento já recuperara a minha presença de espírito e consegui, apesar das fortes dores, agarrar a corda. Neste preciso momento, o barril com os tijolos caiu ao chão rebentando o fundo.

      Sem os tijolos, o barril deve ter uns 25kg. Eu peso 80. Como podem imaginar comecei a cair rapidamente agarrado à corda, até que, próximo do terceiro andar, quem encontrei? Ora, pois, o barril que vinha a subir. Ficam explicadas as fraturas dos tornozelos e os cortes nas pernas. Felizmente, com a redução da velocidade da minha descida, consegui sofrer um pouco menos até que caí em cima dos tijolos que estavam no chão... aqui, felizmente, só fraturei duas vértebras.

      No entanto, lamento informar que ainda houve um agravamento do sinistro, pois quando me encontrava caído sobre os tijolos, incapacitado de me levantar, e vendo o barril acima de mim, perdi novamente a presença de espírito e larguei a corda. O barril, que pesava mais do que a corda, desceu e caiu em cima de mim, fraturando-me as pernas.

      Espero ter-vos esclarecido agora. Devo acrescentar que este relatório foi escrito pela minha enfermeira, pois os meus dedos, ainda possuem a forma da roldana.

      Atenciosamente...


      Um texto magnifico meu caro leitor.


Viriato Mondeguino

sábado, 12 de fevereiro de 2022

 BASSULARAM-ME…

(estatelaram-me)


      Não está longínquo… está perto dos meus afetos… do meu respirar as memórias que servem para curar males atuais…

       Esta breve história, que conto resumidamente, nasceu, cresceu, adormeceu e morreu… Nasceu em Sá da Bandeira (Huila), cresceu no mesmo local, viveu incubada no Cubal e por lá acabou por morrer …

      Sendo a primeira vez que é diferente de todas as outras, é nessa ocasião que se fixam as imagens que irão ter peso na lembrança… num futuro…

      O dia estava quente como quase sempre. Saio da pensão para ir para o quartel. Já na praça dos fundadores volto atrás porque me tinha esquecido de umas chaves importantes. Abriam um armário que possuía material para reparação de um equipamento que tinha no STM. Entrei no quarto e depois de localizar e meter no bolso o pretendido, abro a janela para que o quarto areje, sendo tão estreito… Em frente, do outro lado da rua, uma janela está aberta na casa em frente, rés do chão, e vejo, pela primeira vez, uma moça, a olhar para a minha janela. Nunca a tinha visto, até porque não é meu hábito estar muito tempo no quarto. Normalmente estou no Florida ou no Tirol, a tomar qualquer coisa com os meus camaradas…

      Ela olha para mim… com certeza que é para mim… Fico especado a olhar. Convenhamos que àquela hora da manhã, é hora para ir embora para o serviço… Mas esta aparição fora da minha previsão… faz-me esperar um pouco mais…

      Recua e vai até ao meio do quarto… onde eu a possa ver… a camisa de noite que tem vestida, é retirada com lentidão… Estou pasmado e vou mais para a frente da janela em ato instintivo… não sei porquê…

      Olho aquele corpo, logo pela manhã… roda sobre si… está sem soutien com umas cuequinhas… só…

      Estou no parapeito da janela…

      Diz-me “adeus”, chega à frente devagar e… fecha lentamente as cortinas da janela…

      Tusso e engasgo-me com qualquer coisa…

      Um dia a começar assim e… vou à Sé e meto uma vela, ai vou vou!

      Fico mais uns minutos na janela, agora a olhar para os lados e para baixo, não vão terem-me visto e tínhamos perguntas e quem sabe, sorrisos maliciosos. Mas, não. Ninguém. Saio do quarto apressadamente, desço as escadas e já na rua vou buscar a motorizada que os donos da pensão me tinham dispensado para o meu transporte… Sigo direito à avenida António José de Almeida em direção ao quartel… Que tormento de início de dia. A minha cabeça só faz perguntas e não encontra respostas.

      Passei o dia com o pessoal, mas sempre preocupado… melhor, ansioso para que o dia termine, dia de trabalho, entenda-se, muito embora, o assunto mais preocupante para os outros, diga-se de passagem, fosse o “nome” que se devia arranjar para o nosso conjunto… sim. Tínhamos constituído um conjunto musical que iria dar espetáculos, onde precisassem de nós. Tínhamos é como quem diz. Eu tinha entrado para o conjunto já organizado…

      Consegui com que o vocalista que estava nesta formação musical, fosse… bom, com todas as dores possíveis da zona articular do braço e do antebraço, saí-se, mas com a anuência do restante grupo, se quiser ser correto, o grupo é que me elegeu como vocalista do conjunto. Essa foi a verdade. O cidadão anterior cantava bem, mas canções… fados… Adiante. De nome em nome, e com a primeira “audição” a termos no quartel, ficou para mais tarde a sua escolha. Culpa minha, dada a ansiedade com que estava em regressar à pensão.

      Entretanto findou o dia de serviço e como não seria de prever outra coisa, a motorizada, andava mais nesta bendita tarde, do que nos outros dias… Vá-se lá saber porquê…

      Cheguei à pensão, mais afogueado que o normal, fato que não passou despercebido à dona do estabelecimento, que me seguiu escada acima, não denotando, entretanto que me seguia para ver no que dava tamanha velocidade… anormal…

      Entro no quarto, fecho a porta, vou direito à janela que abro ansioso e olho para fora.... em frente… puxo de um LM e vai de mandar umas baforadas… Nada está aberto em frente… mas vai estar, penso… e quero.

      Esperei, sem tomar banho, até que chegou a hora de jantar… Nem dei conta que as horas… se tinham aproximado tanto assim. Pensei na minha burrice. “Mas onde tens a cabeça meu artolas? Pensas que isto é atar e por ao fumeiro? Que tudo é assim como pensas? Com a debaixo?... Pois é… Afinal levaste um bode… Aprende!”


      Troquei de roupa e só depois é que dei conta que estava com a janela aberta… Também… olha, que se lixe. Vou direito à sala de jantar. Já se encontra quase cheia, mas o meu lugar está sempre no mesmo sitio, aliás como o de todos. Hoje era um peixinho grelhado… para admirar. Não é normal. Quase sempre é carne.

      A refeição acabou com cada um dos comensais a seguirem o seu rumo.

      Saí em direção ao meu quarto. Abri a porta, a sorrir, penso… tirei um cigarro do maço que se encontrava em cima da mesa encostada à parede, acendo-o, abro a janela e vou a sentar-me na cama quando “alguém do quarto em frente”, no outro lado da rua me faz sinal para ler um grande papel onde estava escrito: “11 VEM”. Volto ler bem o que estava escrito no enorme papel e faço um sinal de mímica, sobre as horas, eu, entro como? Tudo me foi explicado… por mímica. Até a entrada em casa que afinal era simples. Só subir o varandim e entrar pela sacada. Fiz o sinal de que tinha tudo memorizado e esperei pelas onze, se esperei. Malditos ponteiros que se conjuraram para me atenazar. Até parecia que andavam ao contrário.

      Ora onze… algum trânsito e pessoas ainda a circular, mas não de forma a não dar espaço para saltar o pequeno varandim de grades de ferro, sem ser visto. Estou dentro e uma porta lateral abre-se. Sou empurrado doce mas firmemente, para dentro de um quarto. Vou para falar mas a minha “doce inquietação” coloca-me a mão na boca. Encosta o seu ouvido à minha boca. Claro, percebido donzela. Pergunto se alguém pode entrar. A resposta vem no mesmo tom e processo: “Não. Já se foram deitar.”

      Acho que sorri de uma forma esquisita, pois, o franzir de sobrolho da minha dama, seguida igualmente de um sorriso velado, denotou que eu estava a ser qualquer coisa parecido com… Mulheres que detetam tudo nas nossas reações primárias. Enfim. Adiante.

      Tenho que admitir que não tive calma nenhuma inicialmente. Foi necessário que a minha “doce inquietação” me fizesse um ponto de ordem à fogosidade e fosse ela a ditar o que se faria. E tudo se fez sob os desígnios do seu ordenar, de forma pausada, concentrada, enervante, mas com retornos arrepiantes da minha pele em vários locais, ao ponto de ter começado a arfar e ter que ser silenciado, voltava tudo de novo ao inicio, mas por poucos minutos. Aquele inferno paradisíaco valia por ter ativado tudo que era célula viva e pronta a tirar partido da situação. As “hormonas” atuaram, nenhuma “célula” foi deixada para trás, nenhum neurónico deixou de participar, só nos momentos em que se exala a vida em extasiante delírio é que as pupilas deixavam entrar um pouco mais luz e por fugazes momentos para no instante seguinte cerrarem numa escuridão plena de luz interior, num doce embalo.

      A determinada altura desta romagem tive que me meter debaixo da cama por via de uma interrogação vinda do lado de fora do quarto, sobre o que estaria a passar. “Mosquitos!” Foi a resposta.

      O colchão teve que ser colocado no chão, afinal o ruído era mais da cama. De madrugada há que colocar novamente o colchão no estrado da cama e sair com muita calma, com a incumbência de regressar à noite à mesma hora. Quem me visse, veria uma cara de “aborrecido”, a este ultimato.

      Noite após noite, durante quase um mês, até que:

    - Amanhã vou ausentar-me e só volto para a semana. Vou estar praticamente uma semana sem te ver. Anda cá!

      Lembro ter sido assim na primeira noite.

      E assim foi. Uma ausência incapaz de me sossegar. Mas tudo bem. Continuei a encontrar-me com os amigos que me faziam perguntas de forma a puderem perceber o que se tinha passado e poderem “ver” o motivo. Claro que nada foi dito da minha parte. Descobri que de acordo entre si, tinham andado a seguir-me, só que… devo ter executado as manobras tão bem que ninguém das minhas “imediações” percebeu ou viu nada. As desculpas eram um pouco esfarrapadas, mas lá iam colando.

Os dias passam e a semana foi concluída. Passaram dois, três, quatro, cinco, mais uma semana e nada. Até que a vejo novamente na janela.       

      Olho para ela, da janela do meu quarto e faço-lhe um sinal para ir ter consigo. Fecha a cortina. Penso que deve estar alguém por perto. Tudo bem. Puxo de um cigarro e acendo-o. Nos dez minutos seguintes não aparece. Começo a ficar ansioso. Que diabo se passa. Bom, deve estar a vir. Só tenho que ser paciente. Acendo outro cigarro. Já a meio dei conta que era o segundo e seguido. O que vejo, nem queria acreditar. Vejo-a a sair pela porta da casa com um cidadão pelo braço, mais ou menos da idade dela. Passou-me qualquer coisa pela garganta que me fez tossir, tossi mesmo. Ela olha disfarçadamente para mim, levanta a mão esquerda, num gesto de quem vai apanhar o cabelo, deixa o dedo anelar nos cabelos, durante uns momentos, para que eu entenda.

      Entendi sim senhor, depois de ver aquele “amarelo”, entendi com uma dor que não posso explicar. Porque razão estou assim? Penso: Ela não tem nenhuma obrigação comigo. Porque é que devo estar assim? Não assumi nada. Esta mágoa é de dor de cotovelo? De direito de posse? De ter e me ter sido tirado? Não assumi nada! O que quero daqui?!

      Vou ter com os amigos e entro, pelas duas da manhã no meu quarto já “com meia de verniz”.

      Que ressaca irei ter daqui a pouco.

      Os tempos passaram e volto a Sá da Bandeira depois de sair de Nova Lisboa. Sou admitido nos caminhos-de-ferro de Angola. Começo a fazer locução no Rádio Clube da Huila. Os tempos vão passando de forma sempre compensadora na realização, quer pessoal, quer social.

      Um dia, depois de ter fechado a emissão, saio e dirijo-me para o “boguimhas”, um VW carocha, preto. Estava ligeiramente mais abaixo que o normal, não muito… já sabia o que tinha acontecido. A Eunice, quando saía ou entrava de serviço e queria estacionar o carro, se não tinha lugar onde estivesse um espaço onde ela “suspeitasse” que dava para o seu, o da frente e o de trás, eram levados ao “sitio” para ela poder entrar. Fazia-o de forma a não estragar, mas empurrava tudo que por lá estivesse para conseguir um lugar.

      Sorrio e quando vou entrar, uma voz feminina diz: “Boa noite”. Olho para o passeio e vejo uma senhora, muito bem constituída e interessante, diga-se de passagem, com outra ao lado, menos, digamos que, chamativa… A mais interessante sorri, no meu ponto de visto é claro… retribuo. Entro no “boguinhas” não sem notar que a senhora vai olhando para trás, na minha direção. Sorrio. Carro a trabalhar e saio para avançar para o cruzamento em cima. A senhora no cruzamento, despede-se da outra e segue para a direita, exatamente para onde vou, para dar a volta, visto ser sentido único e obrigatório virar à direita. Vou para casa. Passo por ela que entretanto caminhava na borda do passeio e olhava em direção ao meu carro. Sorrio-lhe e vou à minha vida. Mais em cima olho para trás e vejo a outra amiga a chegar junto a ela. Dou comigo a pensar que estou a ficar um matumbo puro.

      Bom, depois de um dia de trabalho vou para o Rádio Clube da Huíla fazer a minha locução no “Expresso da meia noite” a fechar a emissão. Cláudio Correia aos comandos da “régie”, como sempre, com um excelente trabalho. Estaciono e, excelente, a Eunice já tinha saído, o carro dela não estava na rua, nem num lado nem no outro, logo o meu “boguinhas” não “descairá” do sítio.

      Entro e depois de cumprimentar o Cláudio vou para o estúdio com o noticiário na mão. Está a sair Pereira Monteiro, depois de deixar um LP a rodar num dos pratos. Estranho ficar até àquela hora. Saiu e comecei a minha função.

      A noite andou e é hora do fecho do Expresso da Meia-noite. Saudações habituais e o pedido para que os ouvintes voltem nesse dia que está a começar. São zero e trinta minutos. Fecho da estação. Hino Nacional e hora de sair. Despeço-me do Cláudio que sairá dentro de dez minutos e vou para a rua. Muito fresco. Um nevoeiro estranho está presente. Abro a porta do carocha e ouço:

      - Olá, boa noite!

      Quem é que interpela? Olho para todos os lados e vejo, atrás de uma camioneta que está carregada com utensílios das obras a senhora que ontem olhou para mim no cruzamento e, ao que me pareceu, esperou por mim, sem que eu tivesse percebido a sua intenção. Claro que para “lerdos” a abordagem teria que ser assim, direta. Cumprimentei-a, olhei para o outro lado da rua e diz-me:

      - Estou sozinha e não queria ser vista aqui, posso entrar?

      - Claro que sim, claro que sim! Vou para o outro lado abrir a porta mas ela já está dentro e de porta fechada. Volto rapidamente, entro e arranco. Subo o pequeno troço da rua até ao cruzamento e ela diz:

      - Vira à direita e vai sempre em frente…

      Quem sou eu para não obedecer. Já a passar o Liceu e a caminho da Senhora do Monte ela diz-me:

      - Não interessa o meu nome, quem sou, onde moro e o que estou a querer de ti. Podes parar lá mais para cima, mas não na zona do casino, do Cristo-rei ou por aí. Vai para o lado da Humpata e pára onde te der mais jeito.

      Confesso que estou com o queixo caído. Aparece-me uma mulher determinada. Pergunto:

      - Mas posso chamar-te por:

      - Maria está bem! Sabes, eu não sou o que posso parecer, mas a tua voz deu-me a volta à minha cabeça e quero estar contigo. Penso que não estás…

      - Não, claro que não! – Não estava a perceber o que ela queria dizer mas “acompanhei” o seu raciocínio. Até que estou lisonjeado com o teu querer, até estou.

      - Vi logo que eras assim, meiguinho. Tinha que estar contigo, desse por onde desse.

      Depois de ter percorrido uns bons dez quilómetros, parei no planalto e entrei por uma picada, aberta, com mato bordejando, de pequeno porte, mas suficientemente alto para encobrir o “latinhas”. Parei, dei a volta e fiquei virado para onde vinha. Saí um pouco da picada, não fosse alguém passar por ali e inadvertidamente, por mau “estacionamento” meu, bater-me na “máquina”. Desliguei também a luz interna, fiquei por momentos a pensar como é que ia resolver o “assunto”. A necessidade aguça o engenho. Pedi para ela sair e saí também. Tirei o banco do lado dela e coloquei-o em cima do meu, lado do condutor. Retirei o de trás e coloquei-o ao comprido no lugar do banco que tinha tirado. Confesso que sorri com esta volta e por causa disso ouço:

      - Fazes isto muitas vezes, é claro!

      - Não, por acaso não. É a primeira vez que o faço e parece-me que está bem assim, não achas?

      - Pois parece, mas foste tão rápido a fazer isso que pensei ser teu hábito.

      - Não, não é.

      - Entrei para o banco e deitei-me. Ela entrou, passou por cima de mim e junto à alavanca das mudanças, retira as calças e a camisola, ambas as peças são pretas. Fica em cuequinhas e sutiã.

      Não sabia como fazer, se devia tirar também as minhas calças, também o pensamento não adiantou porque foi interrompido pelo seu ato de tirar-me as calças e tudo mais que atrapalhasse. Cingia-a de encontro a mim. Deixou-se ficar uns momentos que aproveitei para acariciar o seu peito, depois de lhe ter retirado o sutiã. Não deixa a penetração natural que está a acontecer. Fico um pouco desiludido, mas tudo bem. Tento acariciá-la no clítoris, mas não deixa. Levemente foi-se afastando para o fundo do carro e começou a beijar-me, junto às virilhas, foi-se aproximando do seu objetivo. Comecei a torcer-me de prazer até que notou a chegada ao meu ponto máximo, parou. Sorri-me. Deve ter ficado a gozar com a minha cara que demonstrava uma “agonia”. Deita-se sobre mim e consegue ter um prazer só a “massajar” o clítoris com a ponta do meu pénis prestes a “rebentar”. Tentei não ter um prazer simultâneo. Sabia que seria tão grande que era bem capaz de não conseguir dar mais prazer à minha companheira nesta noite. Consegui, mas com tudo a doer e em polvorosa. Não se pode fazer “esta maldade” a ninguém. Olhou para a minha cara e sorriu enigmaticamente. Não percebi. Continuou, agora lentamente a fazer o mesmo mas a penetrar-se. Tirava e massajava, voltava a introduzir, até que se sincronizou com a minha excitação. Alguns momentos depois estava a ter um orgasmo simultâneo com a minha ejaculação o que fez deste momento, um só, único! Como nunca tinha tido outro!

      Ficámos largos minutos agarrados, com ela sobre mim- De repente passou para o “meio” do carro e começou a vestir-se. Diz:

      - Despacha-te! Já é tarde!

      Depois de ter reposto todos os assentos nos lugares respetivos regressei à cidade. Tudo era calmo naquela noite. Seguiram-se muitas outras iguais, ou melhores. Até que deixou de aparecer à saída do Rádio Clube. Nunca mais a vi.

………………………………………………………………………

      - Eh Valentim, onde vai?

      Pergunto ao meu amigo qual o seu rumo, dada a velocidade com que vai. Pára, olha para mim e diz:

      - Não o tinha visto. Vou ao Sousa. Quer vir?

      - Não, estou a meter gasolina e vou para casa. Tenho uns pontitos dos alunos para ver…

      - Está bem. Até logo.

      - Até logo.

      Olho para a retomada da passada rápida. Defacto está com pressa. Ouço:

      - Já está cheio. São cento e vinte.

      O funcionário tinha acabado de encher o depósito. Ainda tinha gasolina, mas como ia com os miúdos e a mulher até à praia a Benguela, amanhã e sairia cedo, ao menos já estava feito. Dou a volta com o carro e entro na estrada. Quem é que vejo na rua, acompanhada? Não pode ser! Mas é! A minha deusa da pensão, em Sá da Bandeira. Procuro estacionar atrapalhadamente. Está acompanhada de uma outra pessoa que não conheço. Saio, vou em sua direção. Cumprimento perante o olhar espantado da companheira da minha deusa. Esta está impávida, estranho. Pergunto se não me está a conhecer, isto porque o seu semblante está, para que se entenda, que não faz a mínima ideia de quem eu seja. A amiga pergunta-lhe:

      - Mas conheces ou não este senhor?

      - Não, não conheço.

      - Mas ele está a falar de Sá da Bandeira, da pensão que é em frente à tua casa e…

      - Não me parece que o conheça, se calhar viu-me uma ou duas vezes por lá, sei lá. Ou conhece o Mário.

      Comecei a notar que estava a forçar uma situação que não devia ter sequer ocorrido dada a acompanhante dela. Mas, é difícil ser-se adivinho. Pedi desculpa pelo meu engano e entrei no carro. A acompanhante estava a falar com a deusa, mais perguntas sobre o eu ter dado a indicação certa dos lugares. Quando a conseguir ver sem ninguém a seu lado vou ter com ela.

      Aconteceu um dia, mas…

      Estava na rua junto à farmácia. Fui ter com ela. Não se mostrou recetiva. Olhava para dentro do estabelecimento receosa. Notei isso. Pedi desculpa e fiz menção de sair dali. Saem a acompanhante do outro dia e um cidadão baixo, quase careca. A acompanhante olhou-me e disse, agressiva:

      - Está aqui outra vez? Não ouviu que foi engano seu?

      O cidadão olhou para mim e pergunta à acompanhante:

      - O que é que este fez?

      - Nada, mas confundiu a tua mulher. Disse que a conhecia de Sá da Bandeira. Afinal não é verdade!

      O cidadão virando-se para mim, pergunta:

      - Quer alguma coisa é?

      Respondo:

      - Não senhor. Pelo amor de Deus. Só vim pedir desculpa à sua esposa pela confusão que fiz, pensando ser uma pessoa que conheci em Sá da Bandeira e pensava conversar com ela, mas não é efetivamente quem eu penso, foi só…

      - É bom que seja assim! A minha irmã já falou consigo, então, boa-tarde!

      Saíram dali pelo passeio fora. Fui para o carro, segui a meditar até casa. Porque razão ela estaria a proceder assim, desconhecendo-me e qual a razão da desmedida proteção da cunhada. Bom, se calhar até sei porquê, ou penso que sei…

      - Professor, Professor…

      Viro-me e vejo Valentim, dentro do seu Ford a chamar-me. Vou até ele, na rua. Estava parado e diz-me, quando chego perto:

      - Quer vir comigo à Ganda? Demoro só uma hora se não for menos. Quer? Não tem aulas agora, ao sábado de tarde está o estabelecimento fechado. Não vai sair com o Luisito para lado nenhum? A “Mireca” vai ter com a Dª Teresa, pelo menos disse-me. Quer ou não vir? Não responde?

      - Ainda não me deixou homem de Deus. Vou consigo, sendo assim, mas temos que ir a casa informar a minha saída consigo.

       - Às ordens. Entre que vamos já a seguir.

      No caminho diz-me o que vai fazer. Negócio. Portas, janelas e outras coisas em madeira para uma construção na Ganda. Mais um prédio. Vai tirar medidas e concretizar o negócio. A estrada estava com aquela trepidação que lhe era habitual. Só em parte porque as obras para meter o betuminoso já estavam a alguns quilómetros do Cubal para lá. Os troços estavam irregulares. Numas partes as “caixas” já estavam prontas para receber o alcatrão. Outras ainda não. O troço do cruzamento de Benguela até ao Cubal, quase que foi feito de uma vez, claro, maneira de falar.

      Chegámos e fomos diretos ao café de um amigo do Valentim. Ele entro e eu disse-lhe que ficava do lado da esplanada. Pequena, mas chegava para beber uma Nocal preta bem fresquinha. Sentei-me enquanto o funcionário estava a trazer a dita na bandeja, com uns camarõeszitos, tinha sido o Valentim que ordenou. Sabia o que eu bebia e não perdia tempo. Era seu feitio a atuação rápida e precisa.

      Bebo o primeiro golo, com prazer. Em frente, estacionado, um jipe, à sombra de uma árvore, dentro uma senhora que me olha atentamente. Tento perceber quem é mas, mas não me parece ser uma cara conhecida. Ali, na Ganda, de onde. Pode ser que seja alguém parecido com… com quem? Também não sei.

      A senhora sai do jipe e avança para a esplanada. Olho intrigado e tento perceber quem será que conheço. Não quero ser deselegante e ainda por cima com uma mulher tão interessante, e aparente uns quarenta e cinco, quarenta e seis, ou cinquenta anos. Muito bonita, nada magra, aquilo que se designa por mulherão, aparentemente terá a minha altura, um metro e setenta e seis. Pára à minha frente. Levanto-me com cerimónia e ela diz:

      - Senta-te. Só vim aqui cumprimentar-te. Tenho o meu marido com o presidente da câmara a tratarem de negócios. Foi à pouco, quase na altura em que chegas-te com o teu amigo. Não me estás a conhecer?

      Por fim identifiquei-a e o local.

      - Claro que sei. A minha “Maria” de Sá da Bandeira!

      - Essa voz continua a mesma. Tens um tempo para conversarmos fora daqui?

      - Não sei, só perguntando ao meu amigo que entrou. Vou ver, volto já.

      Saí precipitado para dentro do café. Olhei para todo o lado do recinto e nada vi, só um funcionário ao balcão a lavar uns copos. Dirigi-me para ele e perguntei pelo Valentim. Informou-me que estava com o patrão ao lado numa sala que me indicou. Era no fundo do café. Abriu a porta, olhou para dentro e virando-se disse-me:

      - Não está aqui. Deve estar na traseira.

      Abriu uma porta a cerca de três metros da da sala. Dava para a rua. Olhou e disse-me:

      - Estão ali, debaixo da mangueira.

      - Obrigado – Retorqui. Dirigi-me para fora, falei com o Valentim e tive a informação de que era mais meia hora e tudo estava resolvido. Voltei rapidamente para dentro do café e logo de seguida para a esplanada, o que vi?

      Ela a entrar no jipe e um cidadão, o marido, mas muito mais velho, a colocar o jipe a trabalhar. Disfarçadamente olha para mim, mete o braço de fora, agora sem olhar na minha direção, e fecha e abre a mão várias vezes. Um adeus simples. simpático?

      Caio (sentando-me) literalmente em cima da cadeira da esplanada.

      Há muitos dias, para mim, assim, muitos mesmos!


Viriato Mondeguino

terça-feira, 8 de fevereiro de 2022

 

EXCELENTE REFEIÇÃO



          Não está longínquo, está perto dos meus afetos, do meu respirar, das memórias que servem para curar males atuais.

       Esta breve história que conto resumidamente, passou-se na Huíla, (Sá da Bandeira).

O dia estava quente como sempre. Saio da pensão para ir para o quartel. Já na praça dos fundadores volto atrás porque me tinha esquecido de umas chaves importantes. Abriam um armário que possuía no seu interior material para reparação de um equipamento que tinha no STM (serviço de telecomunicações militares). Entrei no quarto e depois de localizar o pretendido e meter no bolso, abro a janela para que o quarto areje, sendo tão estreito, o melhor era abrir a janela. Esquecimento meu… Do outro lado da rua, uma janela está aberta, precisamente na casa em frente, rés do chão, vejo pela primeira vez, uma moça a olhar para a minha janela. Nunca a tinha visto, até porque não é meu hábito estar muito tempo no quarto nem a espreitar o que se passa na frua ou nas casas fronteiras. Normalmente estou no Flórida ou no Tirol, a beber qualquer coisa com os meus camaradas.

Ela olha para mim. Com certeza que é para mim. Fico especado a olhar. Convenhamos que àquela hora da manhã é uma boa hora para ir embora para o serviço. Mas esta aparição fora da minha previsão… faz com que me detenha.

Recua para o meio do quarto, pareceu-me, para que eu a possa ver. A camisa de noite que tem vestida, é retirada. Fico atónito e encosto-me mais junto do parapeito da janela em ato instintivo, “vá-se” lá saber porquê…

Olho aquele corpo, logo pela manhã. Roda sobre si, está sem soutien com umas cuequinhas, só… o que eu fiz para merecer tão lindo espetáculo?

Estou no parapeito da janela, mais um pouco digamos…

Diz-me “adeus” e fecha lentamente as cortinas da janela.

Tusso e engasgo-me com qualquer coisa. Ainda nem fumei.

Um dia a começar assim, bom vou à Sé e meto uma vela, ai vou vou!

Fico mais uns minutos na janela, agora a olhar para os lados e para baixo, não vão terem-me visto e tínhamos perguntas e quem sabe, sorrisos maliciosos. Saio do quarto apressadamente, desço as escadas e já na rua vou buscar a motorizada que os donos da pensão me tinham dispensado para transporte. Sigo direito à avenida António José de Almeida em direcção ao quartel. Que tormento de inicio de dia. A minha cabeça só faz perguntas e não encontra respostas.

Passei o dia com o pessoal, mas sempre preocupado, melhor, ansioso para que o dia termine, dia de trabalho, entenda-se, muito embora o assunto mais preocupante fosse o “nome” que se devia arranjar para o nosso conjunto, sim, esse era o objetivo no momento. Tínhamos constituído um conjunto musical que iria dar espectáculos, onde precisassem de nós, sobretudo no quartel, ou quarteis.

Consegui com que o vocalista que estava nesta formação musical fosse, bom, com todas as dores possíveis da zona articular do braço e do antebraço, dar uma “volta”, mas isto com a anuência do restante grupo. Se quiser ser correto, o grupo é que me elegeu como vocalista do conjunto. Essa foi a verdade. Adiante. De nome em nome, com a primeira “audição” no quartel, ficou para mais tarde a sua escolha.

Entretanto findou o dia de serviço e como não seria de prever outra coisa, a motorizada, andava mais nesta bendita tarde, do que nos outros dias. Também aqui vá-se lá saber porquê.

Cheguei à pensão, mais afogueado que o normal, facto que não passou despercebido à dona do estabelecimento que me seguiu escada acima, não denotando entretanto que me seguia, para ver no que dava ou seria a tamanha velocidade, enfim, anormal. Entro no quarto, fecho a porta, vou direito à janela que abro ansioso e olho em frente. Puxo de um LM e vai de mandar umas baforadas. Nada está aberto em frente, mas vai estar, penso.

Esperei sem tomar banho até que chegou a hora de jantar. Nem dei conta que as horas se lhe tinham aproximado tanto assim. Pensei na minha burrice. “Mas onde tens a cabeça meu artolas? Pensas que isto é atar e por ao fumeiro? Que tudo é assim como pensas? Pois é… Afinal levaste um bode… Aprende! Pensa com a de cima!”

Troquei de roupa e só depois é que dei conta que estava com a janela aberta. Também, que se lixe. Vou direito à sala de jantar. Já se encontra quase cheia, mas o meu lugar está sempre no mesmo sitio, aliás como o de todos os comensais. Hoje era um peixinho grelhado. Para admirar. Não é normal. Quase sempre é carne.

Está a chegar o grande treinador do Atlético de Sá da Bandeira, um homem vindo do norte do puto, mais propriamente do Porto. Segundo consta, foi um excelente jogador e agora é um bom treinador.

O Jonas, funcionário que se encontra sempre de serviço, transporta uma terrina e dirige-se para o treinador, bom vamos comer este peixinho que está com um ar apetitoso, a julgar pelas travessas que já foram servidas. Olho novamente para o local onde se encontra o Jonas. Mais outro cliente chega. Ouve-se na sala a voz do treinador:

- “Ó rapaz, e eu?”

Todos olham para o local. Jonas depois de servir o cliente mais “recente” nas mesas, faz uma volta de 180 graus e vai em direção à mesa do treinador, pára fazendo uma pirueta com a terrina, o treinador faz um gesto com o braço direito, “encolhendo-o” por forma a que Jonas possa colocar no seu prato, a sopa. Jonas levanta a concha, estica a terrina no braço esquerdo e sai dali para outra mesa, com outro cliente, não sem dar uma volta sobre si e agora a fazer, digamos que, “rali” entre duas mesas, com a terrina e a concha em posição de marcha.

Começam os presentes a ficar apreensivos. O garoto gosta de brincar, mas agora não será bem a altura para isso e com a pessoa que lhe fez o pedido.

Volta à mesa do treinador que se volta a ajeitar para que Jonas o sirva. Numa pirueta, desta vez pára com a concha em riste e quando vai com ela ao prato, volta a introduzi-la na terrina e sai outra vez em direção a outro cliente. Serve esse cliente. Entretanto chamam-no e vem, acelerado, dentro do “corredor” da mesa do “treinador” que apesar de tudo se encontrava calmíssimo, aliás sempre corretíssimo no trato para com os outros, até cerimonioso. Ao passar pelo treinador, este sub-repticiamente, coloca o sapato de tal forma que o miúdo estatela-se ao comprido, com sopa no chão e terrina em cacos. Patrão e patroa vêem ver o que se passa. O Jonas, mulatito, agora “branco”, diz:

- O xindéli eticou os perna para éu cáir!

- Então o senhor faz-me uma coisa destas ao garoto? – Avança o dono da pensão, ao que o treinador responde:

- Não me serviu desde que aqui estou, serviu sempre todos os presentes. Só a mim é que não. Quando à sua queda, faço lembrar ao senhor que não sou pessoa para criar desacatos, muito menos dar confiança aos criados!

- Mas o senhor fez uma coisa que não tem justificação e não abona nada na sua moral!...

- O senhor não deve dizer-me o que eu sou, ou não sou. Não posso admitir um insulto deste tipo. Para já, recolho ao meu quarto porque esta discussão iria levar-nos a uma situação mais grave e eu não me misturo com gente da sua estirpe!

- Olhe que o senhor é que me está a ofender e não devia fazer isto ao garoto, não é admissível. Uma pessoa que faz crer que é muito bem educado. Nunca ninguém me fez isto na pensão. O senhor demonstrou ser um individuo sem carácter. Se não fosse estar aqui…

A esposa intervém a estas palavras do marido, dizendo:

- Não sujes as mãos na cara desse canalha! – Resposta imediata do nosso treinador:

- Canalha, o caralho!

O verniz do grande treinador estalou com estrondo!

A sala, depois de alguns segundos em silêncio, rebentou numa gargalhada. Esta é única. O treinador abandona a sala e o casal recolhe ao seu posto de observação, não sem vermos a senhora, vermelha que nem um tomate e a entrar rapidamente na cozinha. Num ápice tudo está praticamente limpo. Os funcionários foram lestos. Jonas já está com outra terrina na mão que o patrão se apressa a tirar-lhe das mãos.



Viriato Mondeguino

domingo, 6 de fevereiro de 2022

 

IR ÀS COMPRAS EM PERÍODO DE COVID... TEM QUE SE LHE DIGA.



Por muito que pensasse porquê, mas a história foi de um aziar que só o Remidor sabe. Nem as convalárias espalhadas a esmo pelas bermas da estrada me alegravam.

Senti que não estava nos meus dias, não era defacto um dia ensoberbecido para mim. O que aconteceu? Eu explico:

Trazia uns embrulhos na mão, de repente um deles caiu. Apesar do peso, todos em conjunto, não tive problemas em me baixar repentinamente para apanhar o mais pesado que tinha caído. Armei em moço e… ouvi um ruidar que me deixou no mesmo sitio, de cócoras, mas nada de subitâneo me ocasionou. Mas que algo se derruiu ou estrinchou lá isso foi. O churriar foi quase impercetível, mas deu para apreender.

Não fosse um osso… Jesus, longe disso! “Que o diabo seja surdo, mudo e paraplégico”. Ergui-me devagar não fosse o churriar começar de novo.

Sou intemente mas agora lembrei-me de O solicitar. O Remidor virá em meu auxilio com toda a certeza. Rendidura não tinha, que eu soubesse, que demo seria para ter feito um churriar tão estranho. É claro que não me interessava estar para ali a sezoar. Fiquei novamente de pé. Por estranho que pareça não senti nada de anormal ou estranho. Era o caso um pouco anfigúrico. Um pau-d’água olhou para mim numa perplexidade que só visto. Claro que noventa por cento dele era álcool mas, que deve ter achado alguma coisa estranha, isso foi!

Comecei a andar calmo, apesar do haltere nas mãos. Nada se me fez mais. Mas algo se passava porque quem por mim cruzava deitava uma olhadeira. Deveria ser um dos embrulhos lanhado, mas tudo bem, se caísse alguma coisa logo se veria. Andei mais uns bons cem metros até casa. Nada de novo então, em relação ao caso, entretanto estranho.

Abri a porta de casa e entrei. Fui direto ao local onde se pratica a gastronomia. Pousei tudo, a mulher olha para mim e diz:

A esfinge é micante, mas escusava de ser tão explicita!”

Franzi o sobrolho e fui ver ao espelho o que seria o ferrete. Bom, o que vi deixou-me em agonia. Há dias assim.

O ruidar deveu-se a umas declarações de liberdade das linhas para com o tecido do cós das calças e, pasme-se, as testemunhas estavam livremente a olhar a calçada do passeio, isto até casa. Mas que diabo, ora aí está, uma coisa eu tinha a certeza, não tinha nenhuma rendidura!





Viriato Mondeguino



sábado, 5 de fevereiro de 2022

 

CAÇA E... PESCA.



Fui convidado para ir até à fazenda do meu amigo Matos, com a família. Tínhamos uma almoçarada e depois, eu, o Matos, o Borges, e o Tavongo íamos dar uma volta pela fazenda. Finalidade, caçar alguma coisa. Claro que na fazenda, como o Matos dizia, a caça não era nenhuma, só umas cabrazitas, eventualmente uns glengues, estes últimos só quando se “enganavam no caminho”, no dizer do anfitrião. Quando lhes falei em coelhos e nas perdizes, olharam um o outro (Matos e Borges). Matos diz:

- Isto não é o “puto” ò “Xicoronho”. (Eu tinha vindo de Sá da Bandeira, daí o alcunha). Quem é que quer comer perdiz ou coelho, aqui? Vamos ver se nos aparecem umas cabras, mas duvido. Já vi que trouxeste a armazita (caçadeira Liege de canos paralelos com 77 de cano). Tudo bem, se vires alguma coisa atira.

Mas não devias, porque o susto que provoca essa arma aos animais… nunca mais cá voltam.

- Vai ser uma quantidade, oh, oh. O pessoal está em duas frentes a cortar folha? - Acrescenta Borges, mas fazendo a pergunta ao Matos.

- Pois, se calhar nem uma perdiz vais ver, com o barulho que faremos, normalmente só ao entardecer nas picadas entre as fiadas do sisal. - Remata Matos.

- De qualquer maneira, levo a “fisga”, como dizes. Só para dar o gosto ao dedo.

Matos concorda com um aceno de cabeça. Chama o Tavongo e pergunta-lhe qualquer coisa. Este responde, olhando depois para mim, como a dizer: “Este “branquito” vem caçar “borboletas”” aqui? Matos informa-nos:

- Tavongo diz que és capaz de ter sorte porque andaram a meter água numa zona de plantio e as picadas estão cheias de água recente, logo quando entardecer, as perdizes descem à picada de certeza absoluta.

Anui satisfeito. Mas pensei em seguida que não ia andar por ali ao entardecer. Dirigimo-nos para a mesa colocada fora, no pátio, junto às escadas de acesso à casa. Um excelente lugar com sombra fornecida pelas árvores de grande porte plantadas no local, há muitos, muitos anos. Uma delas era uma magnifica magnólia. Não comum pelo que eu sabia. O que se apresentava na mesa era um manjar digo de uma boda de casamento, desde o arroz de pato, aos bifes de palanca, aos doces variados, e muitos. Vinho do puto, fresco, onde predominavam o tal de Garcia e o “compadre” Mateus.

Às três horas, pedimos, o trio aprazado, licença às respetivas mulheres e demais presentes, para sairmos da mesa.

Tavongo já se encontrava no jipe à nossa espera junto à zona das oficinas. Subimos, armas arrumadas, abertas, e seguimos pela picada maior. Matos ia parando aqui e acolá, para perguntar aos funcionários que se lhe deparavam pelo caminho, como ia tudo e dando algumas respostas a quem as solicitava, tudo em dialeto. Natural, para quem não tem contacto com o dialeto não entendia nada.

Uns quilómetros para a frente, já fora da zona do plantio do sisal, Tavongo salta do jipe, como faz sempre que surge algo no terreno de interesse e começa a aperceber-se de qualquer coisa. São pegadas, cá para mim. Àquela hora, em plena tarde, não valeria a pena correr para que sitio fosse, os animais nem pouco mais ou menos estariam por ali. Isto sou eu a pensar, sabedor destas “coisas” da caça e comportamento animal... O jipe, agora com Matos a conduzir, seguia a cerca de três ou quatro quilómetros à hora, ao lado do nosso guia. Este pára uns trinta metros à frente, do local onde tinha começado a investigação, olha para Matos e diz:

- Minino, o que está áqui é jávali. Tem hora já, tárvez uma. Fôra no lado do Sirveste, lá tem milho pronto p'ra apanhá e lá vai tuto.

- Uma hora? Quantos pensas que são? - Pergunta o Borges.

- Uns cinco ou seis, deve ser uma família. - Responde Matos.

- Como é que sabes? - Volta a perguntar Borges.

- Andas nisto há tanto anos e ainda não sabes ler o chão? Não sabes ver o espezinhado? Pergunta-lhe.

Ia para falar mais mas Tavongo atento responde:

- É famiria mésmo. Sete.

- E então? Agora o que dizes? Pergunta Matos a olhar para Borges.

- Então? Nada.

- Sobe – Diz Matos para Tavongo.

Este já tinha entrado e o jipe ruma para o local que o funcionário tinha previsto. Salto daqui, salto dali, vamos em direção a um local onde parte do gado do Matos pastoreava, isto junto a uma zona onde se tinha plantado milho em grande quantidade.

Encontrámos o pastor Silvestre com os seus três ajudantes e dois belíssimos cães que quando se aperceberam que era o Matos, correram em direção a ele e não cabiam de contentes em volta dele. Matos sai do jipe e faz um sinal ao Tavongo. Este salta para o chão, dá a volta e entra para o volante. Matos dirige-se ao pastor, por entre festas aos cães e pergunta:

- Silvestre... (dialeto Umbundo).

Percebi depois porque o Borges traduzia, quase em simultâneo: “ Perguntou se tinham visto javalis. Responderam que não mas os cães deram conta de que eles estavam perto e saíram atrás. Voltaram meia hora depois, mas sem problemas. Deram os rapazes a volta ao milheiral e só viram marcas no chão, mais nada. Os cães devem ter posto tudo em debandada”

Matos dirige-se para o jipe e pergunta:

- Ouviram o que ele disse? - Borges respondeu.

- Ouvi e já traduzi...

Matos pergunta a Tavongo:

- O que achas? Vamos ver onde estão?

Tavongo responde.

- Náo. Náo vare e a pena. Os cãos levaram eles p'ra longe. Se minino quisé ver, tarvez que tenha fome e vortáste.

- Pensei nisso Tavongo, pensei nisso. Deste lado as maçarocas estão prontas, se calhar não resistem a uma boa comida, mas é perto da casa do guarda, lá mais abaixo. Mesmo assim vamos lá. Vai em frente.

Andámos mais uns bons mil metros. Segundo Matos tínhamos percorrido a parte mais estreita da plantação. Começamos a contornar a plantação andando mais uns dois quilómetros até voltarmos a entrar quase no mesmo local onde tinha estado o pastor. Neste momento o milheiral tinha ficado muito para trás. A volta que demos não era só à volta do milho. Aliás, tínhamos entrado numa zona de capim baixo. Picadas típicas das que se faziam entre as plantações do sisal para se conseguir meter o trator e os atrelados que levariam as folhas para as desfibradoras. Seriam futuras zonas a serem plantadas. De pegadas dos javalis, nada. Evaporaram-se. Parámos junto a um imbondeiro. Tavongo diz-me para olhar para o fundo da picada. O jipe mantêm-se a trabalhar. Vejo uma boa dezena de perdizes a comer insectos e talvez uma ou outra areia para a moela funcionar melhor, a 100 metros de nós. Pergunto em voz baixa:

- O que estão a fazer, a comer o que?

Matos responde igualmente em voz baixa:

- Talvez salalé e a meter areias na moela. Eventualmente uma ou outra coisa que lhes interesse, mas também me parece que estão para comerem as sementes de massanbala que está ali, ao fundo, do lado direito.

Saio do jipe com a caçadeira e dirijo-me para a direita, para não ser visto. Este lado, além de ter o capim bastante alto, tem um friso de uma espécie de cedros, o que facilita a minha progressão a coberto das lindas aves. Baixo-me, continuo para a direita e a coberto dos cedros vou em direção, agora, do bando. Ficam os três no jipe à espera que eu regresse, com perdizes, é claro.

Continuo, agora mais colado aos cedros. Baixo-me ainda mais. Já devo estar perto das perdizes. Estou a ver uma que deve estar alerta pois parou de comer e olha na direção onde me encontro. Baixo-me ainda mais. Avanço mais devagar, a roçar os cedros, encostado aos troncos. Paro. Desloco-me um pouco para a direita, por causa de um arbusto com picos, para junto a uns nenúfares, achei estranho, mas as perdizes eram o meu foco. De repente sinto-me deslizar para trás por sobre o capim húmido. Tento segurar-me a um ramo de cedro por onde passei a deslizar. Agito-me e sinto que estou a entrar dentro de água. Esta agora, espanto meu. Estou rodeado de vegetação alta.

Entro mais ainda e a continuar a escorregar numa lagoa ou lá o que é. Toda ela tem erva e arbustos e nenúfares. Não vejo a água mas já a sinto. Agora com uma enorme chapada de água porque me agito e faço com que a minha entrada seja mais rápida. Tento com a mão esquerda segurar-me aos arbustos na margem. Estou aflito, esbracejo mas não largo a arma, grito. Sinto-me a deslizar, agora mais devagar mas lentamente para… um fundo qualquer. Acho que é lodo onde me encontro. Segundos depois e por artes que não sei de quê, vejo o Tavongo a lançar uma mão para mim, enquanto me afundava, cada vez mais, já com água pelos ombros mas com a espingarda na mão ainda. Graças a ela, sou puxado para a margem. Fico quase sem respirar enquanto ele diz:

- É pátrão, estavas a querer bêbê a água do baragem. Aqui é périgóso.

Aparecem, Matos e Borges, ofegantes, este último com uma corda. Diz Matos:

- O Tavongo é que deu conta, nem sei como. Não ouvimos nada. Porra pá! Era para ires caçar, não era para pescares!

Riam-se todos, até o Tavongo, contagiado. Agradeci-lhe por palavras e abraçando-o. Nada mais podia fazer de momento.

- Vamos ver se secas até lá, senão a tua mulher fica aflita e levas uma descasca.

Desta vez defacto, não tinha palavras para dizer nada. Não ganhei para o susto e não tinha nenhuma circunstância atenuante para a “proeza”, a não ser que devia ter estado atento ao terreno, mas não. Dei prioridade única à vontade de caçar. Sofreguidão. Os sentidos todos “colocados” no ato de caçar. Podia ter sido fatal. E, bom, foi assim que, querendo ir à caça, acabei por ir à “pesca”!




Viriato Mondeguino


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