domingo, 13 de fevereiro de 2022

 

Coisas da vida


      Por vezes os textos dos requerimentos, das declarações, comunicações, ocorrências, as indicações de placas de aviso... dão um excelente impulso para sorrirmos no meio desta nossa agrura de vida.

      A um amigo meu, apareceu-lhe um dia um requerimento com o seguinte texto:

      “ Esselentíssimo senhor Juiz:”

      Levou aos colegas a leitura e uma interpretação… se houvesse…

      Todos tinham admitido que era um erro ortográfico, ao que o meu amigo lhes disse que não o seria se visto por outro prisma, em virtude do caso se andar a arrastar já há dois anos, tinha investigado e assim informava os colegas. O caso era “empurrado” pela acusação com base numa nova investigação, novas provas, etc. Perante este pressuposto, o único erro do requerente, dizia aos colegas o meu amigo, foi o de juntar duas palavras para que formaram assim uma. Continuou para os colegas: A forma como escreveu, entretanto, não fazia, como era habitual, a anulação do pretendido. Estaria até correto quando afirmava de uma forma, enfim, pouco “discreta”. Este o seu pressuposto, o requerimento dirigia-se claramente a: “Esse lentíssimo senhor Juiz.”

      Torna-se claro que o meu amigo, apesar do “peso” da sua profissão, quanto a humor, nunca foi sisudo. Outro caso, uma ocorrência cujo relatório foi elaborado por um elemento da força policial e que entretanto foi parar na sua mão. O caso relatava que um individuo tinha morrido após o embate da motorizada que conduzia, num muro de uma propriedade. Relatava assim o relatório da ocorrência:

      “Cumpre informar que o que aconteceu foi grave. O senhor, quando se deslocava na sua motorizada, despistou-se, não se sabendo porque tal aconteceu, bateu com a cabeça no muro, propriedade da senhora doutora farmacêutica, e, apesar de trazer um capacete, concerteza dos baratos, pois partiu-se todo com o embate, morreu. Podia ter sido muito pior se a motorizada tivesse entrado numa grande vala, com pelo menos cinco metros de profundidade, logo a seguir ao local do embate”.

      Pequenas coisas que fazem as nossas delicias e que não desilustram quem as viveu por nada mais conhecerem que as corrija.

      O caso seguinte é muito bem pensado como esclarecimento de um acidente a uma companhia de seguros. Claro que não é verdadeiro, honra quem teve esta capacidade de humorizar.

      “Exmos. Senhores,

      Em resposta ao vosso pedido de informações adicionais, esclareço:

     No quesito nº 3 da comunicação do sinistro disse: “tentando fazer o trabalho sozinho” como causa do meu acidente.

     Na vossa carta os senhores pedem uma explicação mais pormenorizada, pelo que espero sejam suficientes estes detalhes:

      Sou assentador de tijolos faz 20 anos e no dia do acidente estava a trabalhar sozinho num telhado de um prédio de 6 (seis) andares.

      Ao terminar o trabalho, dei conta que tinham sobrado aí uns 100 tijolos.

      Em vez de os levar à mão para baixo (o que demoraria muito), decidi colocá-los dentro de um barril vazio, que era da cal, e, com ajuda de uma roldana, a qual felizmente estava fixada num dos lados do edifício (mais precisamente no topo do sexto andar), pensei em descê-lo até ao chão.

      Desci até lá, amarrei o barril com uma corda e subi para o sexto andar, de onde puxei o dito cujo para cima, colocando os tijolos no seu interior. Voltei até ao chão da futura entrada do prédio e desatei a corda que tinha prendido, segurando-a com força para que os tijolos (+ ou - 80kg pensei eu) descessem devagar (de notar que no quesito 11 informei que o meu peso é de 80kg).

      O que aconteceu deixou-se surpreendido, senti-me rapidamente levantado do chão e, perdendo o que muito tenho, a presença de espírito, esqueci-me de largar a corda talvez com medo.

      Claro que é desnecessário dizer que fui içado do chão a grande velocidade. Nas proximidades do terceiro andar dei de cara com o barril que vinha a descer.

      Ficam, pois, explicadas as fraturas do crânio e das clavículas.

      Continuei a subir, agora a uma velocidade menor. Só parei quando os meus dedos ficaram entalados na roldana. Felizmente, nesse momento já recuperara a minha presença de espírito e consegui, apesar das fortes dores, agarrar a corda. Neste preciso momento, o barril com os tijolos caiu ao chão rebentando o fundo.

      Sem os tijolos, o barril deve ter uns 25kg. Eu peso 80. Como podem imaginar comecei a cair rapidamente agarrado à corda, até que, próximo do terceiro andar, quem encontrei? Ora, pois, o barril que vinha a subir. Ficam explicadas as fraturas dos tornozelos e os cortes nas pernas. Felizmente, com a redução da velocidade da minha descida, consegui sofrer um pouco menos até que caí em cima dos tijolos que estavam no chão... aqui, felizmente, só fraturei duas vértebras.

      No entanto, lamento informar que ainda houve um agravamento do sinistro, pois quando me encontrava caído sobre os tijolos, incapacitado de me levantar, e vendo o barril acima de mim, perdi novamente a presença de espírito e larguei a corda. O barril, que pesava mais do que a corda, desceu e caiu em cima de mim, fraturando-me as pernas.

      Espero ter-vos esclarecido agora. Devo acrescentar que este relatório foi escrito pela minha enfermeira, pois os meus dedos, ainda possuem a forma da roldana.

      Atenciosamente...


      Um texto magnifico meu caro leitor.


Viriato Mondeguino

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