sábado, 12 de fevereiro de 2022

 BASSULARAM-ME…

(estatelaram-me)


      Não está longínquo… está perto dos meus afetos… do meu respirar as memórias que servem para curar males atuais…

       Esta breve história, que conto resumidamente, nasceu, cresceu, adormeceu e morreu… Nasceu em Sá da Bandeira (Huila), cresceu no mesmo local, viveu incubada no Cubal e por lá acabou por morrer …

      Sendo a primeira vez que é diferente de todas as outras, é nessa ocasião que se fixam as imagens que irão ter peso na lembrança… num futuro…

      O dia estava quente como quase sempre. Saio da pensão para ir para o quartel. Já na praça dos fundadores volto atrás porque me tinha esquecido de umas chaves importantes. Abriam um armário que possuía material para reparação de um equipamento que tinha no STM. Entrei no quarto e depois de localizar e meter no bolso o pretendido, abro a janela para que o quarto areje, sendo tão estreito… Em frente, do outro lado da rua, uma janela está aberta na casa em frente, rés do chão, e vejo, pela primeira vez, uma moça, a olhar para a minha janela. Nunca a tinha visto, até porque não é meu hábito estar muito tempo no quarto. Normalmente estou no Florida ou no Tirol, a tomar qualquer coisa com os meus camaradas…

      Ela olha para mim… com certeza que é para mim… Fico especado a olhar. Convenhamos que àquela hora da manhã, é hora para ir embora para o serviço… Mas esta aparição fora da minha previsão… faz-me esperar um pouco mais…

      Recua e vai até ao meio do quarto… onde eu a possa ver… a camisa de noite que tem vestida, é retirada com lentidão… Estou pasmado e vou mais para a frente da janela em ato instintivo… não sei porquê…

      Olho aquele corpo, logo pela manhã… roda sobre si… está sem soutien com umas cuequinhas… só…

      Estou no parapeito da janela…

      Diz-me “adeus”, chega à frente devagar e… fecha lentamente as cortinas da janela…

      Tusso e engasgo-me com qualquer coisa…

      Um dia a começar assim e… vou à Sé e meto uma vela, ai vou vou!

      Fico mais uns minutos na janela, agora a olhar para os lados e para baixo, não vão terem-me visto e tínhamos perguntas e quem sabe, sorrisos maliciosos. Mas, não. Ninguém. Saio do quarto apressadamente, desço as escadas e já na rua vou buscar a motorizada que os donos da pensão me tinham dispensado para o meu transporte… Sigo direito à avenida António José de Almeida em direção ao quartel… Que tormento de início de dia. A minha cabeça só faz perguntas e não encontra respostas.

      Passei o dia com o pessoal, mas sempre preocupado… melhor, ansioso para que o dia termine, dia de trabalho, entenda-se, muito embora, o assunto mais preocupante para os outros, diga-se de passagem, fosse o “nome” que se devia arranjar para o nosso conjunto… sim. Tínhamos constituído um conjunto musical que iria dar espetáculos, onde precisassem de nós. Tínhamos é como quem diz. Eu tinha entrado para o conjunto já organizado…

      Consegui com que o vocalista que estava nesta formação musical, fosse… bom, com todas as dores possíveis da zona articular do braço e do antebraço, saí-se, mas com a anuência do restante grupo, se quiser ser correto, o grupo é que me elegeu como vocalista do conjunto. Essa foi a verdade. O cidadão anterior cantava bem, mas canções… fados… Adiante. De nome em nome, e com a primeira “audição” a termos no quartel, ficou para mais tarde a sua escolha. Culpa minha, dada a ansiedade com que estava em regressar à pensão.

      Entretanto findou o dia de serviço e como não seria de prever outra coisa, a motorizada, andava mais nesta bendita tarde, do que nos outros dias… Vá-se lá saber porquê…

      Cheguei à pensão, mais afogueado que o normal, fato que não passou despercebido à dona do estabelecimento, que me seguiu escada acima, não denotando, entretanto que me seguia para ver no que dava tamanha velocidade… anormal…

      Entro no quarto, fecho a porta, vou direito à janela que abro ansioso e olho para fora.... em frente… puxo de um LM e vai de mandar umas baforadas… Nada está aberto em frente… mas vai estar, penso… e quero.

      Esperei, sem tomar banho, até que chegou a hora de jantar… Nem dei conta que as horas… se tinham aproximado tanto assim. Pensei na minha burrice. “Mas onde tens a cabeça meu artolas? Pensas que isto é atar e por ao fumeiro? Que tudo é assim como pensas? Com a debaixo?... Pois é… Afinal levaste um bode… Aprende!”


      Troquei de roupa e só depois é que dei conta que estava com a janela aberta… Também… olha, que se lixe. Vou direito à sala de jantar. Já se encontra quase cheia, mas o meu lugar está sempre no mesmo sitio, aliás como o de todos. Hoje era um peixinho grelhado… para admirar. Não é normal. Quase sempre é carne.

      A refeição acabou com cada um dos comensais a seguirem o seu rumo.

      Saí em direção ao meu quarto. Abri a porta, a sorrir, penso… tirei um cigarro do maço que se encontrava em cima da mesa encostada à parede, acendo-o, abro a janela e vou a sentar-me na cama quando “alguém do quarto em frente”, no outro lado da rua me faz sinal para ler um grande papel onde estava escrito: “11 VEM”. Volto ler bem o que estava escrito no enorme papel e faço um sinal de mímica, sobre as horas, eu, entro como? Tudo me foi explicado… por mímica. Até a entrada em casa que afinal era simples. Só subir o varandim e entrar pela sacada. Fiz o sinal de que tinha tudo memorizado e esperei pelas onze, se esperei. Malditos ponteiros que se conjuraram para me atenazar. Até parecia que andavam ao contrário.

      Ora onze… algum trânsito e pessoas ainda a circular, mas não de forma a não dar espaço para saltar o pequeno varandim de grades de ferro, sem ser visto. Estou dentro e uma porta lateral abre-se. Sou empurrado doce mas firmemente, para dentro de um quarto. Vou para falar mas a minha “doce inquietação” coloca-me a mão na boca. Encosta o seu ouvido à minha boca. Claro, percebido donzela. Pergunto se alguém pode entrar. A resposta vem no mesmo tom e processo: “Não. Já se foram deitar.”

      Acho que sorri de uma forma esquisita, pois, o franzir de sobrolho da minha dama, seguida igualmente de um sorriso velado, denotou que eu estava a ser qualquer coisa parecido com… Mulheres que detetam tudo nas nossas reações primárias. Enfim. Adiante.

      Tenho que admitir que não tive calma nenhuma inicialmente. Foi necessário que a minha “doce inquietação” me fizesse um ponto de ordem à fogosidade e fosse ela a ditar o que se faria. E tudo se fez sob os desígnios do seu ordenar, de forma pausada, concentrada, enervante, mas com retornos arrepiantes da minha pele em vários locais, ao ponto de ter começado a arfar e ter que ser silenciado, voltava tudo de novo ao inicio, mas por poucos minutos. Aquele inferno paradisíaco valia por ter ativado tudo que era célula viva e pronta a tirar partido da situação. As “hormonas” atuaram, nenhuma “célula” foi deixada para trás, nenhum neurónico deixou de participar, só nos momentos em que se exala a vida em extasiante delírio é que as pupilas deixavam entrar um pouco mais luz e por fugazes momentos para no instante seguinte cerrarem numa escuridão plena de luz interior, num doce embalo.

      A determinada altura desta romagem tive que me meter debaixo da cama por via de uma interrogação vinda do lado de fora do quarto, sobre o que estaria a passar. “Mosquitos!” Foi a resposta.

      O colchão teve que ser colocado no chão, afinal o ruído era mais da cama. De madrugada há que colocar novamente o colchão no estrado da cama e sair com muita calma, com a incumbência de regressar à noite à mesma hora. Quem me visse, veria uma cara de “aborrecido”, a este ultimato.

      Noite após noite, durante quase um mês, até que:

    - Amanhã vou ausentar-me e só volto para a semana. Vou estar praticamente uma semana sem te ver. Anda cá!

      Lembro ter sido assim na primeira noite.

      E assim foi. Uma ausência incapaz de me sossegar. Mas tudo bem. Continuei a encontrar-me com os amigos que me faziam perguntas de forma a puderem perceber o que se tinha passado e poderem “ver” o motivo. Claro que nada foi dito da minha parte. Descobri que de acordo entre si, tinham andado a seguir-me, só que… devo ter executado as manobras tão bem que ninguém das minhas “imediações” percebeu ou viu nada. As desculpas eram um pouco esfarrapadas, mas lá iam colando.

Os dias passam e a semana foi concluída. Passaram dois, três, quatro, cinco, mais uma semana e nada. Até que a vejo novamente na janela.       

      Olho para ela, da janela do meu quarto e faço-lhe um sinal para ir ter consigo. Fecha a cortina. Penso que deve estar alguém por perto. Tudo bem. Puxo de um cigarro e acendo-o. Nos dez minutos seguintes não aparece. Começo a ficar ansioso. Que diabo se passa. Bom, deve estar a vir. Só tenho que ser paciente. Acendo outro cigarro. Já a meio dei conta que era o segundo e seguido. O que vejo, nem queria acreditar. Vejo-a a sair pela porta da casa com um cidadão pelo braço, mais ou menos da idade dela. Passou-me qualquer coisa pela garganta que me fez tossir, tossi mesmo. Ela olha disfarçadamente para mim, levanta a mão esquerda, num gesto de quem vai apanhar o cabelo, deixa o dedo anelar nos cabelos, durante uns momentos, para que eu entenda.

      Entendi sim senhor, depois de ver aquele “amarelo”, entendi com uma dor que não posso explicar. Porque razão estou assim? Penso: Ela não tem nenhuma obrigação comigo. Porque é que devo estar assim? Não assumi nada. Esta mágoa é de dor de cotovelo? De direito de posse? De ter e me ter sido tirado? Não assumi nada! O que quero daqui?!

      Vou ter com os amigos e entro, pelas duas da manhã no meu quarto já “com meia de verniz”.

      Que ressaca irei ter daqui a pouco.

      Os tempos passaram e volto a Sá da Bandeira depois de sair de Nova Lisboa. Sou admitido nos caminhos-de-ferro de Angola. Começo a fazer locução no Rádio Clube da Huila. Os tempos vão passando de forma sempre compensadora na realização, quer pessoal, quer social.

      Um dia, depois de ter fechado a emissão, saio e dirijo-me para o “boguimhas”, um VW carocha, preto. Estava ligeiramente mais abaixo que o normal, não muito… já sabia o que tinha acontecido. A Eunice, quando saía ou entrava de serviço e queria estacionar o carro, se não tinha lugar onde estivesse um espaço onde ela “suspeitasse” que dava para o seu, o da frente e o de trás, eram levados ao “sitio” para ela poder entrar. Fazia-o de forma a não estragar, mas empurrava tudo que por lá estivesse para conseguir um lugar.

      Sorrio e quando vou entrar, uma voz feminina diz: “Boa noite”. Olho para o passeio e vejo uma senhora, muito bem constituída e interessante, diga-se de passagem, com outra ao lado, menos, digamos que, chamativa… A mais interessante sorri, no meu ponto de visto é claro… retribuo. Entro no “boguinhas” não sem notar que a senhora vai olhando para trás, na minha direção. Sorrio. Carro a trabalhar e saio para avançar para o cruzamento em cima. A senhora no cruzamento, despede-se da outra e segue para a direita, exatamente para onde vou, para dar a volta, visto ser sentido único e obrigatório virar à direita. Vou para casa. Passo por ela que entretanto caminhava na borda do passeio e olhava em direção ao meu carro. Sorrio-lhe e vou à minha vida. Mais em cima olho para trás e vejo a outra amiga a chegar junto a ela. Dou comigo a pensar que estou a ficar um matumbo puro.

      Bom, depois de um dia de trabalho vou para o Rádio Clube da Huíla fazer a minha locução no “Expresso da meia noite” a fechar a emissão. Cláudio Correia aos comandos da “régie”, como sempre, com um excelente trabalho. Estaciono e, excelente, a Eunice já tinha saído, o carro dela não estava na rua, nem num lado nem no outro, logo o meu “boguinhas” não “descairá” do sítio.

      Entro e depois de cumprimentar o Cláudio vou para o estúdio com o noticiário na mão. Está a sair Pereira Monteiro, depois de deixar um LP a rodar num dos pratos. Estranho ficar até àquela hora. Saiu e comecei a minha função.

      A noite andou e é hora do fecho do Expresso da Meia-noite. Saudações habituais e o pedido para que os ouvintes voltem nesse dia que está a começar. São zero e trinta minutos. Fecho da estação. Hino Nacional e hora de sair. Despeço-me do Cláudio que sairá dentro de dez minutos e vou para a rua. Muito fresco. Um nevoeiro estranho está presente. Abro a porta do carocha e ouço:

      - Olá, boa noite!

      Quem é que interpela? Olho para todos os lados e vejo, atrás de uma camioneta que está carregada com utensílios das obras a senhora que ontem olhou para mim no cruzamento e, ao que me pareceu, esperou por mim, sem que eu tivesse percebido a sua intenção. Claro que para “lerdos” a abordagem teria que ser assim, direta. Cumprimentei-a, olhei para o outro lado da rua e diz-me:

      - Estou sozinha e não queria ser vista aqui, posso entrar?

      - Claro que sim, claro que sim! Vou para o outro lado abrir a porta mas ela já está dentro e de porta fechada. Volto rapidamente, entro e arranco. Subo o pequeno troço da rua até ao cruzamento e ela diz:

      - Vira à direita e vai sempre em frente…

      Quem sou eu para não obedecer. Já a passar o Liceu e a caminho da Senhora do Monte ela diz-me:

      - Não interessa o meu nome, quem sou, onde moro e o que estou a querer de ti. Podes parar lá mais para cima, mas não na zona do casino, do Cristo-rei ou por aí. Vai para o lado da Humpata e pára onde te der mais jeito.

      Confesso que estou com o queixo caído. Aparece-me uma mulher determinada. Pergunto:

      - Mas posso chamar-te por:

      - Maria está bem! Sabes, eu não sou o que posso parecer, mas a tua voz deu-me a volta à minha cabeça e quero estar contigo. Penso que não estás…

      - Não, claro que não! – Não estava a perceber o que ela queria dizer mas “acompanhei” o seu raciocínio. Até que estou lisonjeado com o teu querer, até estou.

      - Vi logo que eras assim, meiguinho. Tinha que estar contigo, desse por onde desse.

      Depois de ter percorrido uns bons dez quilómetros, parei no planalto e entrei por uma picada, aberta, com mato bordejando, de pequeno porte, mas suficientemente alto para encobrir o “latinhas”. Parei, dei a volta e fiquei virado para onde vinha. Saí um pouco da picada, não fosse alguém passar por ali e inadvertidamente, por mau “estacionamento” meu, bater-me na “máquina”. Desliguei também a luz interna, fiquei por momentos a pensar como é que ia resolver o “assunto”. A necessidade aguça o engenho. Pedi para ela sair e saí também. Tirei o banco do lado dela e coloquei-o em cima do meu, lado do condutor. Retirei o de trás e coloquei-o ao comprido no lugar do banco que tinha tirado. Confesso que sorri com esta volta e por causa disso ouço:

      - Fazes isto muitas vezes, é claro!

      - Não, por acaso não. É a primeira vez que o faço e parece-me que está bem assim, não achas?

      - Pois parece, mas foste tão rápido a fazer isso que pensei ser teu hábito.

      - Não, não é.

      - Entrei para o banco e deitei-me. Ela entrou, passou por cima de mim e junto à alavanca das mudanças, retira as calças e a camisola, ambas as peças são pretas. Fica em cuequinhas e sutiã.

      Não sabia como fazer, se devia tirar também as minhas calças, também o pensamento não adiantou porque foi interrompido pelo seu ato de tirar-me as calças e tudo mais que atrapalhasse. Cingia-a de encontro a mim. Deixou-se ficar uns momentos que aproveitei para acariciar o seu peito, depois de lhe ter retirado o sutiã. Não deixa a penetração natural que está a acontecer. Fico um pouco desiludido, mas tudo bem. Tento acariciá-la no clítoris, mas não deixa. Levemente foi-se afastando para o fundo do carro e começou a beijar-me, junto às virilhas, foi-se aproximando do seu objetivo. Comecei a torcer-me de prazer até que notou a chegada ao meu ponto máximo, parou. Sorri-me. Deve ter ficado a gozar com a minha cara que demonstrava uma “agonia”. Deita-se sobre mim e consegue ter um prazer só a “massajar” o clítoris com a ponta do meu pénis prestes a “rebentar”. Tentei não ter um prazer simultâneo. Sabia que seria tão grande que era bem capaz de não conseguir dar mais prazer à minha companheira nesta noite. Consegui, mas com tudo a doer e em polvorosa. Não se pode fazer “esta maldade” a ninguém. Olhou para a minha cara e sorriu enigmaticamente. Não percebi. Continuou, agora lentamente a fazer o mesmo mas a penetrar-se. Tirava e massajava, voltava a introduzir, até que se sincronizou com a minha excitação. Alguns momentos depois estava a ter um orgasmo simultâneo com a minha ejaculação o que fez deste momento, um só, único! Como nunca tinha tido outro!

      Ficámos largos minutos agarrados, com ela sobre mim- De repente passou para o “meio” do carro e começou a vestir-se. Diz:

      - Despacha-te! Já é tarde!

      Depois de ter reposto todos os assentos nos lugares respetivos regressei à cidade. Tudo era calmo naquela noite. Seguiram-se muitas outras iguais, ou melhores. Até que deixou de aparecer à saída do Rádio Clube. Nunca mais a vi.

………………………………………………………………………

      - Eh Valentim, onde vai?

      Pergunto ao meu amigo qual o seu rumo, dada a velocidade com que vai. Pára, olha para mim e diz:

      - Não o tinha visto. Vou ao Sousa. Quer vir?

      - Não, estou a meter gasolina e vou para casa. Tenho uns pontitos dos alunos para ver…

      - Está bem. Até logo.

      - Até logo.

      Olho para a retomada da passada rápida. Defacto está com pressa. Ouço:

      - Já está cheio. São cento e vinte.

      O funcionário tinha acabado de encher o depósito. Ainda tinha gasolina, mas como ia com os miúdos e a mulher até à praia a Benguela, amanhã e sairia cedo, ao menos já estava feito. Dou a volta com o carro e entro na estrada. Quem é que vejo na rua, acompanhada? Não pode ser! Mas é! A minha deusa da pensão, em Sá da Bandeira. Procuro estacionar atrapalhadamente. Está acompanhada de uma outra pessoa que não conheço. Saio, vou em sua direção. Cumprimento perante o olhar espantado da companheira da minha deusa. Esta está impávida, estranho. Pergunto se não me está a conhecer, isto porque o seu semblante está, para que se entenda, que não faz a mínima ideia de quem eu seja. A amiga pergunta-lhe:

      - Mas conheces ou não este senhor?

      - Não, não conheço.

      - Mas ele está a falar de Sá da Bandeira, da pensão que é em frente à tua casa e…

      - Não me parece que o conheça, se calhar viu-me uma ou duas vezes por lá, sei lá. Ou conhece o Mário.

      Comecei a notar que estava a forçar uma situação que não devia ter sequer ocorrido dada a acompanhante dela. Mas, é difícil ser-se adivinho. Pedi desculpa pelo meu engano e entrei no carro. A acompanhante estava a falar com a deusa, mais perguntas sobre o eu ter dado a indicação certa dos lugares. Quando a conseguir ver sem ninguém a seu lado vou ter com ela.

      Aconteceu um dia, mas…

      Estava na rua junto à farmácia. Fui ter com ela. Não se mostrou recetiva. Olhava para dentro do estabelecimento receosa. Notei isso. Pedi desculpa e fiz menção de sair dali. Saem a acompanhante do outro dia e um cidadão baixo, quase careca. A acompanhante olhou-me e disse, agressiva:

      - Está aqui outra vez? Não ouviu que foi engano seu?

      O cidadão olhou para mim e pergunta à acompanhante:

      - O que é que este fez?

      - Nada, mas confundiu a tua mulher. Disse que a conhecia de Sá da Bandeira. Afinal não é verdade!

      O cidadão virando-se para mim, pergunta:

      - Quer alguma coisa é?

      Respondo:

      - Não senhor. Pelo amor de Deus. Só vim pedir desculpa à sua esposa pela confusão que fiz, pensando ser uma pessoa que conheci em Sá da Bandeira e pensava conversar com ela, mas não é efetivamente quem eu penso, foi só…

      - É bom que seja assim! A minha irmã já falou consigo, então, boa-tarde!

      Saíram dali pelo passeio fora. Fui para o carro, segui a meditar até casa. Porque razão ela estaria a proceder assim, desconhecendo-me e qual a razão da desmedida proteção da cunhada. Bom, se calhar até sei porquê, ou penso que sei…

      - Professor, Professor…

      Viro-me e vejo Valentim, dentro do seu Ford a chamar-me. Vou até ele, na rua. Estava parado e diz-me, quando chego perto:

      - Quer vir comigo à Ganda? Demoro só uma hora se não for menos. Quer? Não tem aulas agora, ao sábado de tarde está o estabelecimento fechado. Não vai sair com o Luisito para lado nenhum? A “Mireca” vai ter com a Dª Teresa, pelo menos disse-me. Quer ou não vir? Não responde?

      - Ainda não me deixou homem de Deus. Vou consigo, sendo assim, mas temos que ir a casa informar a minha saída consigo.

       - Às ordens. Entre que vamos já a seguir.

      No caminho diz-me o que vai fazer. Negócio. Portas, janelas e outras coisas em madeira para uma construção na Ganda. Mais um prédio. Vai tirar medidas e concretizar o negócio. A estrada estava com aquela trepidação que lhe era habitual. Só em parte porque as obras para meter o betuminoso já estavam a alguns quilómetros do Cubal para lá. Os troços estavam irregulares. Numas partes as “caixas” já estavam prontas para receber o alcatrão. Outras ainda não. O troço do cruzamento de Benguela até ao Cubal, quase que foi feito de uma vez, claro, maneira de falar.

      Chegámos e fomos diretos ao café de um amigo do Valentim. Ele entro e eu disse-lhe que ficava do lado da esplanada. Pequena, mas chegava para beber uma Nocal preta bem fresquinha. Sentei-me enquanto o funcionário estava a trazer a dita na bandeja, com uns camarõeszitos, tinha sido o Valentim que ordenou. Sabia o que eu bebia e não perdia tempo. Era seu feitio a atuação rápida e precisa.

      Bebo o primeiro golo, com prazer. Em frente, estacionado, um jipe, à sombra de uma árvore, dentro uma senhora que me olha atentamente. Tento perceber quem é mas, mas não me parece ser uma cara conhecida. Ali, na Ganda, de onde. Pode ser que seja alguém parecido com… com quem? Também não sei.

      A senhora sai do jipe e avança para a esplanada. Olho intrigado e tento perceber quem será que conheço. Não quero ser deselegante e ainda por cima com uma mulher tão interessante, e aparente uns quarenta e cinco, quarenta e seis, ou cinquenta anos. Muito bonita, nada magra, aquilo que se designa por mulherão, aparentemente terá a minha altura, um metro e setenta e seis. Pára à minha frente. Levanto-me com cerimónia e ela diz:

      - Senta-te. Só vim aqui cumprimentar-te. Tenho o meu marido com o presidente da câmara a tratarem de negócios. Foi à pouco, quase na altura em que chegas-te com o teu amigo. Não me estás a conhecer?

      Por fim identifiquei-a e o local.

      - Claro que sei. A minha “Maria” de Sá da Bandeira!

      - Essa voz continua a mesma. Tens um tempo para conversarmos fora daqui?

      - Não sei, só perguntando ao meu amigo que entrou. Vou ver, volto já.

      Saí precipitado para dentro do café. Olhei para todo o lado do recinto e nada vi, só um funcionário ao balcão a lavar uns copos. Dirigi-me para ele e perguntei pelo Valentim. Informou-me que estava com o patrão ao lado numa sala que me indicou. Era no fundo do café. Abriu a porta, olhou para dentro e virando-se disse-me:

      - Não está aqui. Deve estar na traseira.

      Abriu uma porta a cerca de três metros da da sala. Dava para a rua. Olhou e disse-me:

      - Estão ali, debaixo da mangueira.

      - Obrigado – Retorqui. Dirigi-me para fora, falei com o Valentim e tive a informação de que era mais meia hora e tudo estava resolvido. Voltei rapidamente para dentro do café e logo de seguida para a esplanada, o que vi?

      Ela a entrar no jipe e um cidadão, o marido, mas muito mais velho, a colocar o jipe a trabalhar. Disfarçadamente olha para mim, mete o braço de fora, agora sem olhar na minha direção, e fecha e abre a mão várias vezes. Um adeus simples. simpático?

      Caio (sentando-me) literalmente em cima da cadeira da esplanada.

      Há muitos dias, para mim, assim, muitos mesmos!


Viriato Mondeguino

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