A DANÇA DOS LUMES
A “dança dos lumes”. Deixaram-me assistir, por obra e graça não sei de quê. Não era costume deixarem que alguém assistisse a esta dança dos Ganguelas. Chama-se Cauema, ou como ainda é costume dizer popularmente, a “dança dos lumes”.
As dançarinas vêm nuas. Trazem nos tornozelos, nos pulsos, em redor do tronco e em volta da cabeça, umas armações de cordas esfiapadas, são fibras combustíveis, (pareceu-me sisal) às quais pegam fogo, para depois serem vistas a bailar na escuridão da noite. É uma glorificação ao fogo, como símbolo eterno do amor e da vida.
Ninguém se queima! Até parece mentira. As mulheres andam numa roda que marcha para a direita, num desejo de harmonia com o movimento, digamos que aparente, dos astros. É uma dança religiosa. A noite tem que estar escura e elas rodam sem parar ao som dos tambores quase até de madrugada. É fantasmagórico, mas é lindo.
Interrogava-me: “Assistir aos batuques tradicionais, enfim, mas, algumas danças deste cariz? É que não devem ser vistas por ninguém fora da comunidade. Na tribo luena, nos ganguelas, não. O batuque de acompanhamento da dança, é de cunho ritualista, estrepitoso, acompanhado de um número de tambores e dicanzas (reco-recos), ou relas, igual ao número de sanzalas presentes na festa. A música é delirante, o som é contagiante, leva-nos a mexer: A mexer por dentro e por fora, a abanarmos ao ritmo. Quase nos apetece entrar na dança. Esta é capaz de moer os tímpanos a um cristão que nada tem a ver com as culturas ocidentais, como é óbvio mas leva-nos a querer entrar “dançar” a este ritmo.
Seguiu-se uma rebita, não a urbana. A urbana é uma aculturação das danças europeias. A rebita a que assisti, a verdadeira, é ou… era outra forma de dançar. A rebita, ao que investiguei posteriormente, era mais dançada em Luanda, em Malanje, Benguela, Huambo, Huíla, ou seja, nos principais centros do litoral. Diziam as pessoas com quem fui perguntando, aos “séculos” (mais velhos) que, a rebita é uma dança recreativa, é uma dança de roda, formada por pares, homem e mulher, umas vezes apartados, por outras, dispostos intercalarmente. Nesta disposição, quando estão apartados, andam de roda e fazem marcações, cantando e batendo palmas com o acompanhamento ritmado e bem marcado do “ngoma” (Tambor). Ngoma significa em dialeto ganguela, tambor. Mas não é só do ngoma que sai o ritmo, também entram na função a “puíta” e a “dicanza”. Eu traduzo, puíta é uma “pandeireta furada no centro por onde se esfrega um pedaço de “tripa” rija e a dicanza é o nosso reco-reco. Ás vezes entram igualmente, as violas europeias.
Entretanto a rebita tem um mestre de sala que dirige a marcação. É uma espécie de contradança cerimoniosa. Quando o mestre grita: “fogopé”, os componentes da roda voltam-se uns para os outros, formam pares, enfrentam-se, homem e mulher, e executam a semba. A semba é a umbigada, feita num movimento rápido e bem vivo, acompanhado de uma volta efectuada de seguida pelo par, no local onde se encontram naquele momento. Uma dança, mas “virada ao contrário”, é a “dança dos cus”, em Nelas.
Nas rebitas “a sério”, as mulheres vão vestidas de panos vistosos e caros. É chique mudarem de panos, de dança para dança. Na cabeça usam um lenço amarrado à pombinho, ou seja, amarrado no alto pelas pontas. Se não quiserem usar lenço devem pentear-se à quimbunda, levantando bem alto a cabeleira, numa forma arredondada e fofa, puxada para cima e para a frente.
Assim é que é a rebita tradicional.
Homenagem ao meu ex-aluno, claro, no Cubal. Anastácio Fernandes.
Viriato Mondeguino
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