segunda-feira, 30 de setembro de 2024

 

SOLIDÃO, OU A CORAGEM DE ESTAR SÓ.

 

 

 

Um triunfo que se consegue sobre nós é a coragem de sermos sós. As correntes opinativas que rodam em volta desta atitude, não conseguem demover esta forma de estar, quando pessoal e de livre vontade. O nosso tempo de vida, considerando então que somos entardecidos, deu-nos já o suporte, o conhecimento necessário para o tempo, que nos resta de vida. Nada nem ninguém é de geração espontânea. Alcandorados no nosso saber, conseguimos assim uma cultura que por poucos é entendida, pois, é sempre muito pessoal e pouco divulgada...

            Ser solitário não é sinónimo de se estar doente psiquicamente. Ser só, é vencer males dolorosos que nos provocaram, ter vencido a noite, e permanecer sempre a acompanhar, paralelamente, os dias, apreciando-os, comentando-os, nunca permitir que eles passem sobre a nossa forma de estar. Apesar de termos uma opinião sobre o sermos úteis para a sociedade, ao estarmos por opção sós, também nem sempre o que entendemos que é útil, é verdadeiramente útil para todos, e o melhor, também não gerou o melhor para todos. Descobre-se que em alguma circunstância das nossas vidas, o que lhe foi benéfica, mais tarde, afinal, não o foi. Também o contrário foi verdade.

Examinem o que de vida passaram, notarão que nalguns destes passos, aconteceu uma igualdade ao que digo. Ora, o resto de vida em solidão, saudável, (muitos não entendem isso e outros até a “tratam” …) não vai perdurar todo o tempo que resta ao mundo, nem nós o queríamos, até porque iriamos dar conta que desapareceriam, o conceito de útil e inútil, o prejudicial e o favorável. Para a circunstância social, queremos manter-nos úteis, sem pretender ser um elemento que desgaste recursos que outros acumulam, para nos mantermos em solidão. Quando esta, está em forma de doença?

Ser útil, deve ser um hino de continuidade ao saber adquirido, que se deve prosseguir quando se envereda por uma solidão voluntária, produzindo actos que melhorem o bem-estar dos que nos rodeiam e provam que estão atentos à nossa forma de estar.

domingo, 29 de setembro de 2024

 

Além-túmulo

(é um futuro)

 

“Xi-ni-Mâvu”…  Estou a lembrar-me do que o meu amigo Calequisse me disse em determinada altura, sobre entidades espirituais e sobrenaturais que existem nas profundezas da terra (“Xi-ni-Mâvu”) Segundo a sua crença, é nesses “abismos” que existem as mansões de tais seres que estão vivos depois da sua morte. Tinha escolhido um local sagrado para as suas práticas de ocultismo. Este, tinha dado conta, também servia para outras pessoas usarem em acção de graças quando um facto relevante ocorria nas suas vidas. Pedir justiça, colocam essas criaturas a palma da mão no chão. Para bens corporais, neste lugar sagrado, vertem vinho sobre o corpo nu de quem está a ser alvo de beneficio, ou pedido. No caso de bens espirituais, o que passam no corpo é um liquido misturado com incenso e é feita, também uma reza.

Os Umbandistas, (religião originária do Brasil com raiz em Angola, terra do meu Calequisse, mistura partes cristãs, rituais de África e espiritismo Kardecista, ou seja, reencarnacionista) têm na cura que Jesus fez a um cego, o ter misturado saliva com barro, passou nos olhos de um cego e curou-o, dado lugar a uma profunda meditação.

O meu amigo nunca foi um maníaco destas “manifestações” espiritas, mas que sei eu, era dado a algumas meditações. Falava em Nzâmbi, (Deus, criador de todas as criaturas, do mal e do bem) e dizia-me que não era o Ente supremo pois necessitava, para dirigir o mundo, de entidades que ele denominava de “Entidades espirituais”. Daqui o culto a diversos espíritos que regem várias partes da nossa vida.

Ora, já no nosso metropolitano rincão, consegui tirar-lhe essas crenças, da prática e da cabeça. Sempre pensei, pelas conversas intermináveis que tivemos, ter erradicado esses pensamentos, até porque nunca mais, santa alma, falou nestes “mistérios”. Como me dizia mais lá para trás, se estivesse em Luanda, iria à igreja da Nossa Senhora da Conceição (Muxima) e ofertar-lhe-ia um coração em cera.

Hoje ouvia sua voz através de um telefonema. Fiquei radiante. O meu amigo estava presente. A sua voz não era a mais “alegre”, mas enfim… o que interessava é que estava “ali”! Falou-me sobre o orçamento de estado, da “tourada” que está montada com os diálogos entre oposição e governo, governo, imprensa escrita, falada, visionada e oposições. Refere que a situação é sempre má para o povo, nunca “esta gente” se lembra do povo.

No fim diz-me: Xi-ni-Mâvu… é no que dão estas politicas…

 

Victor Martins

sexta-feira, 13 de setembro de 2024

 

LADAINHA




“Senhor, principio de tudo, coletor de todas as opiniões, de todas as imagens, de tudo que respira e aspira a ser governante, tende de nós piedade por sermos sempre assim tão lusitanos;

Senhor, dos que ouvem e vêem a RTP, a SIC, a TVI e o CM nestes tempos em que todos sabem tudo e ninguém vê resultados de tão grande sabedoria, tende piedade;

Senhor, pelos que através dos nossos parcos recursos, enriqueceram e se distanciaram da nossa magra coleta, mesmo que de forma ilícita, perdoai-lhes, deixai-os “trabalhar”, porque é assim que se “faz vida”, mas tende piedade;

Senhor, pelos que são remediados e que graças ao empobrecimento dos que são mais pobres, vêem-se arrastados para uma pobreza generalizada. Abençoai a notável capacidade política de tanto empreendimento em nivelar a pobreza. Sendo assim, tende piedade da pobre classe média;

Senhor, olhai pelos políticos deste país que são de fácil palavra e “soluções” para tudo o que é dificuldade de um povo, mas sobretudo do povo, tende piedade;

Senhor, ouvi os comentadores políticos e não lhes corteis a verve. Pensai sempre que o povo necessita de uma desorientação de vez em quando. Dos ouvidos do povo, isso sim, tende piedade;

Senhor, olhai pelos profetas do apocalipse que não conseguem ver mais além do que o seu umbigo. Sendo o deles o único e o mais perfeito, não admitem que outras formas de viver existam, tende deles igualmente piedade;

Senhor, pensai nos ortopedistas que não conseguem livrar alguns novos e impacientes senhores de uma epicondilite. Tende indulgência para com esses impacientes que “calçaram sapatos novos”. Nada pior do que descobrir que afinal, o “sapato é apertado”. Tende também e sobretudo, piedade.

Senhor, tende piedade dos políticos pequenos que de apoio, agora, só possuem a Santa Bancada da Execução, mas que continuam a sonhar com a Ascensão rápida da Vontade dos Acólitos do Clube. Fazei, peço-vos fervorosamente, com que neste grupo não se multipliquem mais associados políticos;

Senhor, olhai para os políticos da oposição porque neles se refazem misteriosamente as soluções para o povo que antes não conseguiam vislumbrar. Olhai melhor, perante isto, para o povo e sobre estes, então sim, com estes, tende piedade;

Olhai Senhor para este povo. Fazei com que não queiramos estar sempre nos “lugares” da vitória sem que não mereçamos esse lugar, com trabalho, rigor, qualidade. Com trabalho teremos lugar na primeira posição da “tabela”. Tende piedade de nós. Lembrai-nos que para nosso mal já nos chega ter a opinião dos “fazedores de opinião”.

quinta-feira, 12 de setembro de 2024

 

Tende Piedade…


 

Senhor, tende piedade de quem resolveu ter filhos neste país, muito embora, para algumas parturientes, seja a única forma de poderem viajar pelo país; Mais tarde pode-se perguntar a quem nasceu numa ambulância se isso é uma localidade ou é um privilégio;

Senhor tende piedade dos políticos que nada mais sabem que “cortar nas despesas necessárias ao desenvolvimento do país”. Nunca conseguiram aprender mais do que no tempo em que tinham “mesada”. “Se gasto não tenho…” O que se aprende nas faculdades, Senhor?...

Senhor, tende piedade das cidades, das vilas, das aldeias, dos lugares do interior do nosso país porque descobriram, agora, que só existem duas ou três cidades merecedoras dos debates na AR e para onde são canalizadas todas as nossas reservas financeiras e sociais;

 Senhor, tende piedade dos políticos legisladores, mas sobretudo tende muita, mas muita piedade de todos os seus amigos. Livrai-nos para todo o sempre do dia em que virarem também políticos;

Senhor, tende piedade dos que discutem as leis, só depois de elas estarem em vigor, mas sobretudo tende piedade dos que pagam no irs os resultados práticos de tão erudita discussão;

Tende piedade senhor de todos os comentadores políticos pois todos queriam ser médicos e estar bem na vida, mas sobretudo tende piedade de quem “calça as botas” que os políticos produzem nessas leis porque, nada pior, meu Deus, que um eterno calçado apertado…

Ouvi-nos senhor!

segunda-feira, 2 de setembro de 2024

 

O QUE FAZ O CHOCOLATE

 

                        A historia é simples, recuamos cerca de 60 anos. Tudo isto foi real, mas, na cabeça de um cidadão atirado para as longínquas paragens de um território em África, ainda envolta em “mistérios” graças a uma cultura de um povo… orgulhosamente só, aconteciam histórias mirabolantes. Umas com dramatismo, outras hilariantes. As que colocam um sorriso no nosso rosto, ou uma boa gargalhada, são as que nos interessam agora. Vamos contar o que o protagonista nos transmitiu.

                        - Valentim  teve, na altura, uns problemazitos familiares que o levaram a tomar uma decisão. Ir ter com o cunhado que tantas vezes já lhe tinha dito que fosse para lá. Seja, rumar a Angola, mais propriamente para Benguela.

                        E a altura tinha chegado. Aportou num determinado dia no cais do Lobito onde supostamente deveriam estar à sua espera o cunhado, a irmã e quem soubesse.

                        Saiu do barco, dirigiu-se para o sector da Alfândega. Deitou o olhar aos presentes na sala. Era tanta gente… Entretanto ia levantando a cabeça para ver se via por entre aquela floresta humana, o cunhado ou a irmã. A gare marítima estava cheia. Era muita gente… não dava para os ver, a julgar no que via.  Talvez mais lá para fora, pensou. Saiu e junto à porta pousou as pesadas malas. Um rapaz pergunta-lhe:

                        - “Pátrão, eu leva as maras.”

                        Valentim olhou para o rapaz, viu que não parecia ter ar de “gatuno”, seu pensamento imediato, é que lhe tinham dito que se roubava muito naquelas terras, que os animais selvagens andavam nas ruas, que se apanhavam doenças terríveis e todas as barbaridades de gente pouco esclarecida, enfim. Pensou imediatamente: “Afinal, aqui é que vou estar bem, pois até já tinha gente para carregar as malas”. Isto, passava-se em 1955.

                        Desce o primeiro degrau, para tentar vislumbrar o cunhado no parque de estacionamento automóvel, mas nada. Deu-lhe um nó na garganta. Ficou aflito! Quase que tinha vontade de se meter no navio outra vez e regressar, porque ali, ao pé daquela gente, toda de cor, é que ele não ficava por nada deste mundo. A ausência do cunhado fê-lo entrar em “parafuso”. Com o calor infernal que estava pensou que ia apanhar uma doença qualquer. Transpirava por tudo que era poro, do calor e do nervoso. Um bom quarto de hora depois, já com ele a pensar muito seriamente em voltar para o navio, ouve chamar por si.

                        Do parque de estacionamento em frente à entrada da gare marítima, o cunhado, estava a chamá-lo. Vê-o. Quase corre para ele.  Avança uns bons vinte metros, mas, de repente, volta para trás a correr e a pensar:

                        -“Ai as minhas ricas malas! O gajo já mas roubou!”

                        Claro que não. O que conseguiu foi atirar com o rapaz ao chão, porque esbarrou com ele.  Vinha mesmo atrás de si, coitado, atrapalhado com o peso delas.  Pediu-lhe desculpa, perante o ar de gozo do cunhado, a apreciar a cena a uma certa distância. Tudo se estava a compor para Valentim.

                        São dados os grandes abraços que a ocasião proporciona. A lagrimazita que cai, enfim. Seguem para a cidade de Benguela no carro do cunhado.

                        No decorrer da noite, um jantar excelente a dar-lhe as boas-vindas. Valentim, depois de uns verdascos bem gelados, começa a soltar as grandes preocupações que trazia, os bichos-de-sete-cabeças que lhe tinham incutido, ou seja: as tais doenças, os roubos, os animais, etc.

                        A família ri, mas conseguem através de explicações e informações mais precisas sobre o quotidiano, deixar Valentim mais sossegado. Nas possíveis doenças, só para prevenção, era importante tomar Quinino, para prevenção da Malária, ou Paludismo. Mais nada de importante. Aliás, nesse mesmo dia começou por tomar o seu primeiro Resoquina à refeição. Conversa daqui, conversa de acolá, continuam com uma cerveja, daqui, cerveja acolá e, só às quatro da manhã é que resolvem deitar.

                        Ao raiar a manhã aproximava-se o dia de trabalho para o cunhado, e claro, já era tarde para ele. O cunhado come um quadrado de chocolate e Valentim pergunta se também pode comer. Por acaso até lhe apetecia. O cunhado pensa… acaba por dar-lhe dois quadradinhos. Valentim diz que o chocolate é muito bom e lá se vão à deita.

                        Três quartos de hora depois, Valentim ainda não tinha conseguido dormir com tanto calor.

                        Começa a sentir uma cólica nos intestinos... mais outra. Fica alarmado e levanta-se a correr para a casa de banho. Mal tem tempo para se sentar e lá vai tudo fora, quase em líquido. Pensou:

                        -“Ai meu Deus que agarrei uma doença qualquer e eles não me quiseram dizer que se apanham assim! Ai que morro! Ou será qualquer coisa que me fez mal?”

                        No alvorecer foi à casa de banho, umas cinco ou seis vezes. O cunhado quando se levantou, viu-o a sair da casa de banho. Devido ao seu ar, pergunta o que Valentim estava a sentir. Claro, vieram as queixas. Este diz-lhe a sorrir, depois de ter percebido o que se estava a passar, que isso não era nada, que foi qualquer coisa que lhe alterou o funcionamento digestivo, mas que amanhã estaria tudo bem.

                        Passou o dia com um ligeiro mau estar, mas acabou por passar.

                        Uns tempos depois, Valentim conseguiu ir para o Cubal, com um emprego de carpinteiro. Foi para uma obra de um determinado indivíduo e a coisa ia bem. Era um excelente profissional, sabia de obras. O empreiteiro deu-lhe a confiança total, colocando-o a dirigir a obra.

                        Valentim, um dia foi ao hotel do “Marques” comprar umas tabletes de chocolate. Gostava de chocolate. Parou no passeio com ar meditativo. De seguida dirige-se à Farmácia onde comprou duas caixas de “chocolate”. Foi para a obra. Estavam a trabalhar os doze operários, desde os pedreiros, os ajudantes, enfim, todo o pessoal. Como quase todos são gulosos, e ele começou a comer o chocolate na frente da malta... claro, não de todos ao mesmo tempo, fazia só para um ou dois verem, o pedido dos trabalhadores era imediato:

                        -“Ó patrão, dá um bocadinho.”, Valentim fazia de contas que dava contrariado, mas dizia sempre:

                        - “Dou, mas não dizes nada a ninguém?”

                        É claro que não diziam, só que todos o viram comer e claro, pediram. Valentim lá dava três ou quatro quadrados a cada um.

                        A tarde avançava menos do que o previsto. O Valentim começou a ficar preocupado:

                        -”Que diabo, não acontece nada a esta malta?”

                        Ia espreitando... e o seu plano, ao que estava a ver, iria por água abaixo... Mas de repente, vê um aprendiz a subir as escadas com um balde de massa à cabeça e a meio das escadas o rapaz pára. Valentim pergunta:

                        -”Então o que é que foi? A escada está mal?”   - A resposta deliciou Valentim:

                        - “Aka patrão, o meu bariga tá farar”[.1] [1].

                        - “Está o quê?” 

                        Valentim vê o rapaz a descer devagarinho, com as pernas apertadas. Larga o balde de massa para o chão e desata a correr, se se pode chamar a isso, correr, com as pernas apertadas, em direcção ao capim. Começa a olhar para todos. Vê um dos operários a deitar a massa no tijolo e a suspender o gesto, a meio, com a massa a cair entre ele e a parede. Claro que faz logo a pergunta:

                        -”O que é que se passa o Chilomgo?”.

                        -”Éh, patrão, tou de caganéra”.

                        Lá vai outro em direcção ao mato. E outro e, outro e outro, sempre todos a andarem com as pernas apertadas em direcção ao capim. Ao outro dia, o delegado de saúde foi perguntar ao empreiteiro se algo tinha acontecido, se tinham comido alguma coisa por ali e o que tinha sido.

                        O empreiteiro de nada sabia. Perguntou ao Valentim. Este disse o mesmo, que até estranhou o caso, enfim, uma data de tretas que teve de inventar. O certo é que ninguém disse que tinha comido chocolate que Valentim ofereceu.

                        O empreiteiro andou aflito durante uma semana por causa da falta dos operários e ao outro dia, um vizinho da obra fartou-se de berrar que ainda matava algum gajo que ele soubesse ter ido ao seu galinheiro fazer as necessidades. Segundo contou, furioso, tinha lá adubo para mais de dez hectares de terreno.

                        Valentim calou isto, durante dois anos. Contou posteriormente numa patuscada, com todos os gestos dos protagonistas.  Até a história do cunhado foi contada. Só muito mais tarde esse confessou ter-lhe dado um laxativo no primeiro dia em que veio para Angola. O resultado está à vista. Fez o mesmo ao pessoal trabalhador. Uma “maldadezinha”, no seu dizer. Não seria uma partidinha, enfim…

                        São estas as pequenas histórias que completam uma vida.

 



[1] Falar


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 [.1]Falar

  CASTIGO NO PS?     Se se fizer uma análise alargada sobre o que se entende ser o nosso povo do Alentejo, assim como das Beiras, por ...