PATRÃO É CAMPEÃO, MATA TUDO,
Fizeram-me
um pedido, estranhei porque o “sitio” onde escondi a minha caixa de correio, afinal,
está “visível”. Como nos descobrem os “locais” onde conversamos, com quem
queremos? Descobriram mesmo? Bom, afinal não é por aí que vem mal ao mundo.
Perguntaram-me, se nesse meu “lá”, (Angola)
sobre as histórias que ficaram impressas nesse meu livro, produzido a “expensas
próprias”, tinha mais histórias. Dei aos “perguntadores” umas notas. Por via
disso, agora, para todos os leitores, vai uma historinha, que nos fez rir, na
altura. Começou, e resumidamente, vai assim:
…………………………………………………………………………..
Estou a sair de casa no Cubal
para ir até à fazenda do Franklim, comemorar os anos do pai. A minha família
entra no carro. Abro o porta luvas para ver se tinha os documentos do carro e
vejo um papel dobrado, este não estava na minha alçada, fazia tempo...
Peguei-lhe e a mulher diz que o tirou de um livro que estava numa estante.
Pergunta-me quando é que eu tinha escrito o poema. Desdobrei o papel, li e
sorri. Respondi que tinha sido em Luanda. A inspiração surgiu de uma
“quitandeira” que solicitava a uns rapazes a compra de uns doces que ela
confeccionava. Escrevi-o assim:
“ Ai
ué minino, Mi compra caramelo.
Ai di mim, precisa dinhéro
Pa dá a meu fiu piquinino
Comida, e comprá meu chinelo
Qui já estragou todo intéro...
Ai ué... mi compra meu caramelo... Já foi na
Mutamba,
E no São Paulo já foi. Vai tê quir no
quimbanda,
Quê sorte minha só doi.
Ai ué minino,
Mi
compra meu caramelo…”
A mulher diz-me:
- Sensibilidade para “agarrar”
o lamento da quitandeira. Noto que continuas assim, “deo gracias”.
Quando cheguei à fazenda, já o
Matos e o Borges se encontravam com as famílias. Notei, notámos, que Franklin
andava “derrancadinho” para sair, queria ver se caçava uma onça. É que lhe
tinham garantido a pés juntos que andava uma a rondar a fazenda todas as
noites. O vício dele era tal…
Bom, Fanklin às vezes contava
umas histórias que mais mos pareciam anedotas. Porquê? Sabe-se lá. Foi essa a
informação que teve. Onça na “costa”.
Dizia então Franklin, que por
vezes, aqui sabíamos ser verdade, ia à noite caçar uma ou outra cabra,
aproveitando para verificar as extremas da fazenda, ver o gado que os pastores
deixavam acomodado no mato, etc., e que até tinha visto pistas de onça…
Tanto andou que conseguiu que o
desculpassem, tamanho era o vicio da caça, a ausência dele, seria de mais ou
menos, uma hora no máximo, dizia. Saiu com o inseparável, capataz e guia de
caça, o Tavongo.
Estava uma bela noite e por
acaso não o vimos sair com a arma na “mão”, já a tinha no estrado do jeep. Seguiu. Depois de algumas voltas dadas, quem lhe
aparece vindo “do nada”? O fiscal bem conhecido de todos nós. O homem, tal como
todos, vivia no Cubal. Aparece-lhe silenciosamente, o que era inacreditável
para quem conhece o Franklin. Este fiscal era um sujeito que farejava o
pessoal, tinha um “andar” de onça, como o Borges dizia.
Seria perto da meia noite e
meia. Estava Franklin numa extrema da fazenda com o Tavongo a seu lado.
Franklin tinha combinado com o seu “braço direito”, antes que um qualquer
fiscal chegasse junto deles, e que perguntasse se o patrão estava a caçar, ou
se matava muita caça, devia dizer que não. “Olha Tavongo, defende-me! Diz
sempre que não!” O fiel “escudeiro” sabia como se comportar.
Chegou o fiscal junto deles,
cumprimentou e começou um interrogatório disfarçado. Ia sabendo o que lhe
interessava e a determinada altura, dispara:
- “Então e o farolim no jipe, é
só para ver melhor o mato, não é, senhor professor?” Franklin ia respondendo:
- “O
senhor sabe bem que não é, mas também sabe que tendo gado a pastar por todo o
lado, necessito por vezes saber onde os animais pernoitam. Ver se tudo está
bem. É claro que não vou para perto deles ver. Ligo o farolim e vejo bem o que
se passa”.
E o
fiscal continuava:
- “Pois claro que é assim, nem
uma arma o senhor trás, pois não?”
-
“Tenho sim senhor! Também sabe que tenho armas e legalizadas. Preciso me
defender, se alguma vez uma onça me ataque, sabe que por aqui há muitas. Também
sabe que tenho tudo legalizado.” - Respondia Franklin.
- “Muito bem. - Brincava o
fiscal - Toda a gente sabe, nas redondezas, até os seus empregados o dizem, que
o senhor não percebe nada de caça e é um mau atirador, que não acerta sequer
num elefante, nem a dois metros.”
Aqui Tavongo, furioso, entra num
repente na conversa e exclama:
- “ Não sinhôr, não é vérdáde!
O pátrão és cámpião, máta tuto!”
Franklin ficou sem pinta de
sangue.
O fiscal desata à gargalhada.
Achou graça à defesa que o capataz estava a fazer do patrão, e, carros leitores,
não o multou. Teria por base o “depoimento” da “testemunha”, que afirmou
peremptoriamente que o patrão caçava mesmo. Franklin, primeiro com riso
amarelo, mas depois num riso franco. leva o fiscal para a fazenda, beber uns
uísques. Regressamos todos ao Cubal incluindo o fiscal.
Acabou assim a historinha… A simplicidade das “coisas” cria afectos,
cria… sorrisos, cria entre nós… é, cumplicidade sorridentes.
VM
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