NA LUSITÂNIA
Fui andando pelos galhos da vida e notei, nos ares que me
traziam a voz do vulgo, que a vidinha corria bem. Cada um no seu galho, cada um
a dizer mal do bem que possuía, cada um a preparar o edital do protesto sobre o
porquê do absurdo. (Os cartazes eram multicoloridos). Vida sossegada, normal, fui
pensando sobre o que via e que já nem ouço.
Acerquei-me de um domiciliado, numa mesa ao lado, que em
empolgamento transmitia a um outro, as doces venturas de uma viagem que fez por
paragens do “lá é que é”, onde o
dinheiro de cá é suficiente para viver aquele momento, lá, e lá é onde tudo nos faz
vibrar… O dinheiro gasto lá, não dá
para viver cá.
Estavam
sentados num local onde normalmente se fala uma oitava acima, graças a um
liquido que provou lubrificar as vãs palavras, sitio onde se mete no bolso o
“memorando”, antes do liquido lubrificante, e que é quase sempre visitado por
seres praticamente “mudos” à entrada…
Reparei
que o outro interlocutor lhe disse que tinha visto a passagem dele e da família
pelo lá, no “outdoor da família” e que até tinha feito um: “está porreiro, pá” com o “memorando” próprio, o tal instrumento que
sabemos, trava a língua.
Ao
sair da mesa para a rua, assisti a um desaguisado entre um piloto de uma arma
de assalto, (vulgo automóvel), com um congénere. Entendia a razão dos dois,
nada sobre o que tinha acabado de acontecer, mesmo sabendo tudo, e já quase em
“vias de facto”. Entretanto, resolvendo o caso com civilidade, anularem-se, e deram
a uma entidade que por eles cuida (seguro), a resolução da incapacidade dos
maquinistas. Esta saída, hoje, dos seus galhos, de forma irresponsável… deviam
não ter saído do galho, mas essa atitude, para castigo de todos nós, fez com que
saiam penalizados futuramente. Ora, que interessa isso agora e sempre? A sua vida
é feita de grandes nadas, sempre a acontecerem. Passam-lhes ao lado grandes “tudos”,
os que não entendem nunca, mas dizem aos neurónios activos que a vida tem que
ser vivida, porque a dita, dura só três dias e um já passou…
Deambulei
para outra realidade, dentro da mesma, para ver se a vida continuava em modo normal,
não é que estava? Fora, é claro, os desajustes maioritários. Descobri, junto a
uma esquina deste perscrutar, que um jovem conversava com outro com um “memorando”
na mão. De vez em quando encostavam-se um ao outro e olhavam o memorando de um,
falavam… engraçado, falavam mesmo. Tenho esta observação, porque constatei que
os memorandos calam a boca aos seres humanos. Frases curtas, mas aqui, falavam.
Depois trocavam de posição, era o outro que mostrava o seu memorando e falavam,
rindo. Riam mesmo. Ora… não falavam em modo de diálogo para conseguir sorrir ou
rir, não, mostravam o memorando um ao outro. Isso é que era mostrar. Falar, ao
que parece, custa imenso, com o memorando na mão. Acabei por dar conta, afinal,
que as palavras que se dirigiam, eram exíguas, para mim, não sendo um verdadeiro
diálogo, só podia ser em código, ah, e dá para rir. Estes códigos foram levando
até à I.A. Despediram-se, foi cada um para seu lado, onde cada um, seguia aos…
quase, tropeções porque não olhavam para o chão…. O memorando danifica os pisos
das ruas ao que me parece…
Mais
lá para a frente, reparei num cidadão que saía de um “mercadinho” com um saco
de compras numa mão e um talão na outra… parava de vez em quando… resmungava…
ia com o sobrolho franzido. Seria porque foi penalizado por ter saído para um
mercado fora do seu “galho”? Ou é mesmo assim? Já duvido de tudo. Quer
queiramos ou não, a verdade é que temos sempre que sair do nosso galho… Se
calhar anda furioso porque não ganha dinheiro suficiente para conseguir ir ao…
“lá”? Ao tal lá. Está muito carrancudo. Parece que o cidadão está a sair da
normalidade da vida e por isso, por raiva de não ter, ou procurar ter (dá trabalho), está a fazer parte do grupo
que tudo contesta e que nada vê a não ser… uma “contestação pequenina”? Não lhe
vi nenhum cartaz na mão… só um talão. Será que era, afinal, um minúsculo cartaz
e não me apercebi? Ah, esta minha miopia…
Vi
mais adiante uns cidadãos sentados, estranho…, mas, por onde é que eu entrei?
Estão fardados, levantavam-se, saúdam-se militarmente, olham uns écrans
terríveis, com labaredas a decorrerem nas telas, de seguida falam nuns
memorandos pessoais, sentam-se, levantam-se, saúdam-se militarmente, falam para
uns microfones em frente a umas máquinas… sentam-se, levantam-se, saúdam-se
militarmente, falam nos memorandos pessoais… repetem-se, repetem-se. Saí dali
rapidamente, este não é um galho que conheça, tudo é muito mecanizado para que
eu consiga perceber o que se está a passar. Serão chefes? Pois, os chefes não
são mesmo, gente do meu galho!
Já
tive outro galho. De lá via um sonho, via… pressentia-o, porquê? Porque todos
em redor eram todos e cada um, ninguém se atropelava. Todos andavam de galho em
galho, na vida… Sempre pensei e quis que fosse assim. Era esse o sítio, tinha o
sabor da manga acabado de colher, tinha o aroma do café acabado de torrar,
tinha o sabor de um pirão molhado em óleo de dem-dem… tinha um mamoeiro no
pátio a sorrir-me em dádiva. Tinha o sorriso da árida e pródiga terra que
cheirava diferente quando chovia. Tinha a certeza… certeza? Mas tinha por
garantia dos idos 500, que o pouco que viesse era tudo mais que aqui neste
galho, muito mais…
Logo
apareceu uma outra parte do meu sonho que sempre me pareceu irrealizável, mas que
se tornou realidade. Com essa parte do sonho, acordei 25 vezes, com muita satisfação,
e a respirar uma liberdade diferente, com essa parte do sonho a concretizar-se,
afinal, completando o sonho original, o seu todo. Pensei que a natureza tinha
compensado todo o meu mundo neste meu novo galho, e compensou no meu espirito e
que agora… deambula de local para local… sem conseguir sair do galho, só em
pequenas escapadelas, como agora, só para ver se estou, ou não, a perder o
sonho.
Outro
galho, onde não faço a mínima ideia como consegui ouvir uma discussão entre
vários, parecem-me cidadãos… Ouve-se: “Eu fiz, quando estive lá… (este lá não é
o tal “lá”, pareceu-me..) Os outros, quase ao mesmo tempo diziam a sorrir:
“Nunca fez nada disso, para que é que afirma que fez?” Um quer falar, outro
interrompe-o, e mais um e mais outro… mas não me parece ter entrado numa feira?
Estão todos de fato, ao lado uns dos outros a falarem para um dispositivo que
vai “andando”, ora apontando para a cara de um, ora para a de outro. Não
reconheço este lugar onde não se dialoga, só existe ruído e incompreensão…
Pareceu-me um lugar onde todos querem o que não sabem querer…
Ah,
e então? Agora, neste outro sitio da vida, conformadamente normal, vi uma
quantidade de normais a discutirem sobre a vida, tudo em alta voz, por isso
mesmo, cada um mais normal que o outro. Denunciavam ser tudo obliquo, tudo era
mau. Um dizia que pagava ao banco 800 euros para ir abatendo no montante da
hipoteca da casa. Falava que ia alugar a dispensa lá de casa, onde meteria uma
cama, nada mais por aí cabia. Informava que ia alugar a quem necessitasse de
cama, talvez estudantes… por 800 euros… Dentro do que é a calma normal, a
minha, não gostei do que ouvi! Pela primeira vez não gostei, mesmo nas barbas
do meu galho! Isto não se diz, não se pensa, nem se executa! Intrometi-me e dei
a minha opinião sobre o que de bom tínhamos no “cá”, que tudo à volta da nossa vida, merecia brados de aleluia.
Ninguém em parte nenhuma tem o bem e o bom que nós possuímos.
Disse
que não tínhamos necessidade de viajar para “lá” porque, quase todos os presentes, nem conheciam o “cá” como primeiro o deveriam conhecer
antes de ir ao “lá”. Disse em voz
alta para que todos ouvissem, que o “cá”
era fabuloso, com mostras de vida única e até que o céu era mais azul, cá, que o sal das nossas águas é
fabuloso, que os nossos manjares são únicos no “cá e célebres no lá”, que
o verde da planície, das campinas, dos prados é verde, verde, verde,
entusiasmei-me e disse que e que e que… não me deixaram acabar, viraram-se
todos (penso que só alguns, outros estavam cabisbaixos) contra mim aos gritos,
e em uníssono, disseram:
-
“Cala-te “ó não sabes nada”! Que pensas saber, tu, das nossas vidas, politicas,
negócios, desleixos e quejandos? Cala-te, porque ainda te queimamos esse teu
verde e metemos tudo a negro como nas fotografias antigas!... Até te afogamos
em água desperdiçada!”
Tive
receio, saí muito depressa da companhia dos demais, afinal, e subi ao meu galho…
ameaçaram? Ameaçam? Ai não que não foi, e é. E não é que me estão a queimar o verde?… e todo
o meu resto, afinal, arde-me mesmo tudo… ah, engraçado, sem a graça de outrora do
meu velho galho, começo agora, e outra vez, a ver ao longe. Também sei que é sempre
a mesma repetição, a eterna chegada dos cartazes… e os discursos zangados, como
se todos devessem tudo uns aos outros e agora, no que consta, só a um. Estas
tonitruantes atoardas são posteriormente vistas naquele galho onde se
transmitem resumos do que se passou, nos tais écrans… Constato que esta vida,
afinal, está, e assim nós o continuemos a permitir, progressivamente normal, de
forma a que as contestações infundadas, passam a ser normalmente verdades.
Daqui,
do meu galho, digo da minha observação de outras paragens, que com todas as
desconsiderações, agora normais, feitas à democracia firmada nas instituições,
por parte dos habitantes dos “galhos extremos da árvore”, e que referem comummente,
“nós contra eles”, um desses galhos fala em “corrupção e nada se faz”, no outro extremado galho, fala-se na “exploração do povo pelo capital”. Temos
que saber ver estas manobras por parte do pessoal esgalhado destes galhos… digo
eu para fazer… pensar? Se calhar o melhor é ser anormal dentro desta
normalidade? Mas afirmo por constatação: “Nesta Lusitânia, está a ser muito
difícil ser-se macaco… nestes galhos já tão secos de esperança e atacados
destes parasitas, ah, disseram-me que água e sabão pulverizado sobre o sistema
parasitário… acaba com ele. Será?”.
VM
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