domingo, 28 de setembro de 2025

 

NA LUSITÂNIA

 

            Fui andando pelos galhos da vida e notei, nos ares que me traziam a voz do vulgo, que a vidinha corria bem. Cada um no seu galho, cada um a dizer mal do bem que possuía, cada um a preparar o edital do protesto sobre o porquê do absurdo. (Os cartazes eram multicoloridos). Vida sossegada, normal, fui pensando sobre o que via e que já nem ouço.

            Acerquei-me de um domiciliado, numa mesa ao lado, que em empolgamento transmitia a um outro, as doces venturas de uma viagem que fez por paragens do “lá é que é”, onde o dinheiro de cá é suficiente para viver aquele momento, , e é onde tudo nos faz vibrar… O dinheiro gasto , não dá para viver .

Estavam sentados num local onde normalmente se fala uma oitava acima, graças a um liquido que provou lubrificar as vãs palavras, sitio onde se mete no bolso o “memorando”, antes do liquido lubrificante, e que é quase sempre visitado por seres praticamente “mudos” à entrada…

Reparei que o outro interlocutor lhe disse que tinha visto a passagem dele e da família pelo , no “outdoor da família” e que até tinha feito um: “está porreiro, pá” com o “memorando” próprio, o tal instrumento que sabemos, trava a língua.

Ao sair da mesa para a rua, assisti a um desaguisado entre um piloto de uma arma de assalto, (vulgo automóvel), com um congénere. Entendia a razão dos dois, nada sobre o que tinha acabado de acontecer, mesmo sabendo tudo, e já quase em “vias de facto”. Entretanto, resolvendo o caso com civilidade, anularem-se, e deram a uma entidade que por eles cuida (seguro), a resolução da incapacidade dos maquinistas. Esta saída, hoje, dos seus galhos, de forma irresponsável… deviam não ter saído do galho, mas essa atitude, para castigo de todos nós, fez com que saiam penalizados futuramente. Ora, que interessa isso agora e sempre? A sua vida é feita de grandes nadas, sempre a acontecerem. Passam-lhes ao lado grandes “tudos”, os que não entendem nunca, mas dizem aos neurónios activos que a vida tem que ser vivida, porque a dita, dura só três dias e um já passou…

Deambulei para outra realidade, dentro da mesma, para ver se a vida continuava em modo normal, não é que estava? Fora, é claro, os desajustes maioritários. Descobri, junto a uma esquina deste perscrutar, que um jovem conversava com outro com um “memorando” na mão. De vez em quando encostavam-se um ao outro e olhavam o memorando de um, falavam… engraçado, falavam mesmo. Tenho esta observação, porque constatei que os memorandos calam a boca aos seres humanos. Frases curtas, mas aqui, falavam. Depois trocavam de posição, era o outro que mostrava o seu memorando e falavam, rindo. Riam mesmo. Ora… não falavam em modo de diálogo para conseguir sorrir ou rir, não, mostravam o memorando um ao outro. Isso é que era mostrar. Falar, ao que parece, custa imenso, com o memorando na mão. Acabei por dar conta, afinal, que as palavras que se dirigiam, eram exíguas, para mim, não sendo um verdadeiro diálogo, só podia ser em código, ah, e dá para rir. Estes códigos foram levando até à I.A. Despediram-se, foi cada um para seu lado, onde cada um, seguia aos… quase, tropeções porque não olhavam para o chão…. O memorando danifica os pisos das ruas ao que me parece…

Mais lá para a frente, reparei num cidadão que saía de um “mercadinho” com um saco de compras numa mão e um talão na outra… parava de vez em quando… resmungava… ia com o sobrolho franzido. Seria porque foi penalizado por ter saído para um mercado fora do seu “galho”? Ou é mesmo assim? Já duvido de tudo. Quer queiramos ou não, a verdade é que temos sempre que sair do nosso galho… Se calhar anda furioso porque não ganha dinheiro suficiente para conseguir ir ao… “”? Ao tal . Está muito carrancudo. Parece que o cidadão está a sair da normalidade da vida e por isso, por raiva de não ter, ou procurar ter (dá trabalho), está a fazer parte do grupo que tudo contesta e que nada vê a não ser… uma “contestação pequenina”? Não lhe vi nenhum cartaz na mão… só um talão. Será que era, afinal, um minúsculo cartaz e não me apercebi? Ah, esta minha miopia…

Vi mais adiante uns cidadãos sentados, estranho…, mas, por onde é que eu entrei? Estão fardados, levantavam-se, saúdam-se militarmente, olham uns écrans terríveis, com labaredas a decorrerem nas telas, de seguida falam nuns memorandos pessoais, sentam-se, levantam-se, saúdam-se militarmente, falam para uns microfones em frente a umas máquinas… sentam-se, levantam-se, saúdam-se militarmente, falam nos memorandos pessoais… repetem-se, repetem-se. Saí dali rapidamente, este não é um galho que conheça, tudo é muito mecanizado para que eu consiga perceber o que se está a passar. Serão chefes? Pois, os chefes não são mesmo, gente do meu galho!

Já tive outro galho. De lá via um sonho, via… pressentia-o, porquê? Porque todos em redor eram todos e cada um, ninguém se atropelava. Todos andavam de galho em galho, na vida… Sempre pensei e quis que fosse assim. Era esse o sítio, tinha o sabor da manga acabado de colher, tinha o aroma do café acabado de torrar, tinha o sabor de um pirão molhado em óleo de dem-dem… tinha um mamoeiro no pátio a sorrir-me em dádiva. Tinha o sorriso da árida e pródiga terra que cheirava diferente quando chovia. Tinha a certeza… certeza? Mas tinha por garantia dos idos 500, que o pouco que viesse era tudo mais que aqui neste galho, muito mais…

Logo apareceu uma outra parte do meu sonho que sempre me pareceu irrealizável, mas que se tornou realidade. Com essa parte do sonho, acordei 25 vezes, com muita satisfação, e a respirar uma liberdade diferente, com essa parte do sonho a concretizar-se, afinal, completando o sonho original, o seu todo. Pensei que a natureza tinha compensado todo o meu mundo neste meu novo galho, e compensou no meu espirito e que agora… deambula de local para local… sem conseguir sair do galho, só em pequenas escapadelas, como agora, só para ver se estou, ou não, a perder o sonho.

Outro galho, onde não faço a mínima ideia como consegui ouvir uma discussão entre vários, parecem-me cidadãos… Ouve-se: “Eu fiz, quando estive lá… (este lá não é o tal “lá”, pareceu-me..) Os outros, quase ao mesmo tempo diziam a sorrir: “Nunca fez nada disso, para que é que afirma que fez?” Um quer falar, outro interrompe-o, e mais um e mais outro… mas não me parece ter entrado numa feira? Estão todos de fato, ao lado uns dos outros a falarem para um dispositivo que vai “andando”, ora apontando para a cara de um, ora para a de outro. Não reconheço este lugar onde não se dialoga, só existe ruído e incompreensão… Pareceu-me um lugar onde todos querem o que não sabem querer…

Ah, e então? Agora, neste outro sitio da vida, conformadamente normal, vi uma quantidade de normais a discutirem sobre a vida, tudo em alta voz, por isso mesmo, cada um mais normal que o outro. Denunciavam ser tudo obliquo, tudo era mau. Um dizia que pagava ao banco 800 euros para ir abatendo no montante da hipoteca da casa. Falava que ia alugar a dispensa lá de casa, onde meteria uma cama, nada mais por aí cabia. Informava que ia alugar a quem necessitasse de cama, talvez estudantes… por 800 euros… Dentro do que é a calma normal, a minha, não gostei do que ouvi! Pela primeira vez não gostei, mesmo nas barbas do meu galho! Isto não se diz, não se pensa, nem se executa! Intrometi-me e dei a minha opinião sobre o que de bom tínhamos no “”, que tudo à volta da nossa vida, merecia brados de aleluia. Ninguém em parte nenhuma tem o bem e o bom que nós possuímos.

Disse que não tínhamos necessidade de viajar para “” porque, quase todos os presentes, nem conheciam o “” como primeiro o deveriam conhecer antes de ir ao “”. Disse em voz alta para que todos ouvissem, que o “cá” era fabuloso, com mostras de vida única e até que o céu era mais azul, , que o sal das nossas águas é fabuloso, que os nossos manjares são únicos no “ e célebres no ”, que o verde da planície, das campinas, dos prados é verde, verde, verde, entusiasmei-me e disse que e que e que… não me deixaram acabar, viraram-se todos (penso que só alguns, outros estavam cabisbaixos) contra mim aos gritos, e em uníssono, disseram:

- “Cala-te “ó não sabes nada”! Que pensas saber, tu, das nossas vidas, politicas, negócios, desleixos e quejandos? Cala-te, porque ainda te queimamos esse teu verde e metemos tudo a negro como nas fotografias antigas!... Até te afogamos em água desperdiçada!”

Tive receio, saí muito depressa da companhia dos demais, afinal, e subi ao meu galho… ameaçaram? Ameaçam? Ai não que não foi, e é.  E não é que me estão a queimar o verde?… e todo o meu resto, afinal, arde-me mesmo tudo… ah, engraçado, sem a graça de outrora do meu velho galho, começo agora, e outra vez, a ver ao longe. Também sei que é sempre a mesma repetição, a eterna chegada dos cartazes… e os discursos zangados, como se todos devessem tudo uns aos outros e agora, no que consta, só a um. Estas tonitruantes atoardas são posteriormente vistas naquele galho onde se transmitem resumos do que se passou, nos tais écrans… Constato que esta vida, afinal, está, e assim nós o continuemos a permitir, progressivamente normal, de forma a que as contestações infundadas, passam a ser normalmente verdades.

Daqui, do meu galho, digo da minha observação de outras paragens, que com todas as desconsiderações, agora normais, feitas à democracia firmada nas instituições, por parte dos habitantes dos “galhos extremos da árvore”, e que referem comummente, “nós contra eles”, um desses galhos fala em “corrupção e nada se faz”, no outro extremado galho, fala-se na “exploração do povo pelo capital”. Temos que saber ver estas manobras por parte do pessoal esgalhado destes galhos… digo eu para fazer… pensar? Se calhar o melhor é ser anormal dentro desta normalidade? Mas afirmo por constatação: “Nesta Lusitânia, está a ser muito difícil ser-se macaco… nestes galhos já tão secos de esperança e atacados destes parasitas, ah, disseram-me que água e sabão pulverizado sobre o sistema parasitário… acaba com ele. Será?”.

VM

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